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Como Franklin Jorge ri

Em comemoração aos 70 anos de Franklin Jorge, Navegos passa a publicar a partir deste dia 1o de Setembro até o próximo dia 8 uma série de artigos e depoimentos amealhados ao longo dos últimos 50 anos sobre a vida e a obra do escritor e jornalista nascido no Ceará-Mirim

*Jarbas Martins – Poeta, escritor, crítico, membro da Academia Norte-riograndense de Letras

Franklin Jorge é, com certeza, o maior escritor que o Ceará Mirim já teve.  Pertence, por similaridade, à família de Catulo, Rimbaud e Baudelaire. Ri como Henri Heine ria. Mas pode nos evocar, talvez por contiguidade ou mera eventualidade geográfica, o poeta Juvenal Antunes, seu conterrâneo.

Os homens vulgares não sabem rir, diz-nos, recusando os trocadilhos fáceis e certos jogos verbais (tão ao gosto de algumas correntes poéticas). A estes prefere os sutis jogos do espírito, as finas percepções, o paradoxo metafísico.

Daí a origem desta reflexão:

O prazer intelectual de rastrear no

texto de um autor estimado as nossas leituras,

as raízes de nossas predileções.

Uma espécie de jogo estético que se desenvolve

pela acuidade e a paciência.

(Fantasmas Cotidianos)

literatura, segundo uma definição muito sua, é uma inexaurível citação. A recorrência a tempos, lugares e textos diversos, oriunda de uma estranha polifonia proustiana, confere a sua obra um tom pós-moderníssimo. E mais: caracteriza-se – sinais do agônico tempo em que vivemos – pelo uso do pormenor, do fragmentário e por essa incessante busca da instabilidade.

Talvez sejam suas as palavras atribuídas ao escritor José Zanoto ou a seu heterônimo KrugPilard:

Me considero apenas a fragmentação de uma

gênese impossível, de uma postura existencial

díspar, viajando por entre contrastes que se fundem

na existência humana. Exerço, com ele, uma atividade

que resulta de um espírito cheio de vontade de criar

e que, temeroso, tímido, não tem coragem de ser, ele

próprio, o autor de meus/seus pensamentos.

E vou levando, orgulhoso, o puro vazio dessa certeza

inútil de não-ser.

(Fantasmas Cotidianos)

Ao descrever os quadros de SanteScaldaferri projeta o seu próprio universo ficcional, limitado pelo sublime e pela hipérbole caricatural:

SanteScaldaferri não pinta quadros, inventa-os,

animado de uma verve feroz. Cria um imaginário

sui generis, revive os sáurios, os batráquios da

humana espécie, os insetos de uma selva.

Esverruma as máscaras. Mostra a volúpia sem tropeços.

Arreganha os vícios. Documenta os pesadelos.

Ordena-os.  Classifica-os. Analisa e registra com

desusada perversidade as sujícies arraigadas,

compondo por este método um enfadonho

e inesperado prontuário de misérias.

(Fantasmas Cotidianos)

Palavras que se assemelham a um clip ou a um trecho de uma ópera neobarroca.

O aforismo e a linguagem coloquial-popular, o pastiche e o clichê verbal, retrabalhados, são habilmente manipulados pelo autor, como se vê em numerosos textos espalhados em seus livros. Senhor do seu ofício, Franklin Jorge sabe ir do chulo a uma citação erudita; do SermoVulgaris das esquinas ao estilo bem humorado de um Machado de Assis. Sem jamais fazer concessão às fórmulas corriqueiras, ao pedantismo ou ao pitoresco enjoativo.

Das ruas e dos salões de sua cidade preferirá sempre o retrato ao qual emprestou voluntariamente certos defeitos: desenquadramento, desfocagem, alteração de perspectivas.

É que seus personagens não são seres vivos; são títeres que se movem em uma cidade provinciana e entediada, fin-de-siècle. Natal não é a cidade do Natal como o escritor Franklin Jorge não é o cidadão Franklin Jorge.

Parafraseando Marcial, outro latino, poderá dizer:

Minha página é histriônica, minha arte e minha vida, não.

Natal, 1985.

 

 

Jarbas Martins - Poeta, escritor, crítico, membro da Academia Norte-riograndense de Letras