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Como Ler?

Alexsandro Alves, escritor e professor, comenta sobre as imprevisibilidades do ato de ler, como a leitura deve ser sempre uma descoberta, uma espécie de “impressionismo” intelectual, em que o estranhamento precisa ser permanente…

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

O melhor de um bom livro de literatura é que nunca o lemos por inteiro, mesmo lendo-o da capa à capa, o livro não se esgota. A leitura se torna sempre um prelúdio de outras leituras.

Há camadas de significados que se colocam ante a nossa percepção a cada vez que foleamos livros já lidos.

É como uma partitura de música.

Certa vez, o regente Daniel Barenboim comentou que, quando observa uma partitura, por exemplo, de uma sonata de Beethoven, o maestro iniciou sua carreira na música como pianista, “a música não está na partitura”.

Parece mais simples por esse ponto de vista musical, porque quando ouvimos a mesma sonata de Beethoven, por exemplo, a Opus 27.2, por Barenboim, e em seguida por Glenn Gould ou Claudio Arrau, a música é diferente. No caso de Gould, sempre parece outra composição em qualquer comparação.

Mas com a literatura isso é mais, digamos, um processo mais íntimo, mais pessoal e único. E mais solitário.

Quando um músico toca, ele toca para uma sala inteira. Já o exercício de uma leitura quase sempre não é em voz alta e nem para uma plateia – salvo o teatro.

Na maioria das vezes, lemos nas nossas casas, distantes de qualquer barulho. Então o ato de ouvir a voz literária vem do silêncio. Dessa comunhão com os mortos – ou com os vivos naquele instante fisicamente distantes.

A polifonia contrapontística que forma esse ato possui três vozes, todas silenciosas, a nossa e a do autor, a essas junta-se uma terceira, que é uma espécie de mediadora entre a nossa experiência e a experiência narrada no livro.

Essa voz mediadora é a leitura propriamente dita. Está sempre se formando. Nunca dá o seu ponto final, prefere as reticências.

Lemos como um pintor impressionista ou um poeta simbolista: a exatidão mata o significado, definir é perder. As nossas leituras devem tornar qualquer obra inacabada.

Monet: Impressões, nascer do sol, 1872