*Clauder Arcanjo
Ah, lua gigante! queres espelho para teu luar?
Vem ver, és realmente bela, mas atenção…
Não ouses a rima com amar, irrita-me o óbvio!
O óbvio irrita por demais a pena daquele que escreve. Mas, explico, não apenas me causa pena o seu irritar. A obviedade dá ânsias de vômito àquele que flagra o lugar-comum na página pálida.
Todo pretenso poeta há de zelar pela palavra certa, mesmo sabendo que é uma utopia o seu incerto encontro. Contudo, o simples fato de buscá-la, de campeá-la na pradaria do dicionário, torna a sentença (dis)posta com laivos de luar.
O medo veio, apagou. Alívio, silêncio,
até a dor acomodou-se, e a palavra feriu-se (…)
A folha, zelosa e raivosa, sofre de urticária. Tal moléstia tão só lhe surge quando alguém a contamina com o vírus da má-língua.
O tempo, ao seu habituar
a tanto entrar e sair, entontece
e larga-nos à entrada da solidão, (…)
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O que fomos
melhor deixar ficar
no que éramos,
já não somos mais senão
estes que assim chegamos
e aqui estamos para viver
entre nossas escolhas.
Deixa ficar tua herança no porto desconhecido, nas ermas caravelas que transportaram todos os ossos da memória dos teus. Já não somos mais herdeiros dos nossos antepassados, Beatriz! Chegamos e aqui ficamos para viver (ou por bem ou por mal) a tal escolha de aprendiz.
Pouco me importa se de origem galega, judaica ou cipriota. Meu sangue agora tem a cor (e a ferrugem) da terra que me adota (e aceita). Ora, ora!
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Vivo a divagar por tudo que fui
e nem pensava que queria,
assim, complexa e indivisível
num devanear de lua cheia,
alma sôfrega, saudade e ternura
Quem vem lá, Beatriz? Nessas vagas que trazem a comunhão do tudo em passo tão devagar? Será que pensava que divagar se lhe resolve a complexa matemática da raiz quadrada da lua cheia, elevada a enésima potência da saudade? Não há convergência em quem comunga o indivisível com o logaritmo da ternura!
Céu e terra disputam brilho e tons cinzas
agora todos disfarçando no silêncio
o convite indisfarçado da noite.
á em cima, bem em cima de nossas desventuras, a lua cheia (absoluta e plena, como uma verdade inteira) zomba de nossa (des)razão.
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Perder o pai é ficar sem o manto
de proteção sobre nossas costas.
— Não, Beatriz, não me fale de tão grande perda! O meu pai se foi, numa terça-feira de novembro, e eu fiquei, desprotegido, a caçar sua voz no beiral das estradas que eu perdido trilhava, sem eira nem beira, sem fardo mas com fado, sem riso e com pouco siso, com as costas sem o seu manto de algodão-amor. Não, Beatriz, não me verseje tão funda agonia!
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Sim, há um mundo meu em Licânia, Beatriz! Lá, a lua se veste com as copas dos benjamins da Praça do Poeta, os meninos são filhos adotados pelo Rio das Garças (Sedução da onda branca sobre o verde água), e há no vento uma graça lírica e trágica que teima em ferrar os versos que invento.
Sou mau poeta, porém a culpa não é da minha província, tal dolo é todo meu.
Tempo sem retorno
não avisou seu passar.
Toda poesia é uma rendição-louvação ao cânone de Pessoa.
Obs.: os versos, em itálico, foram extraídos da obra Lua em descompasso, de Beatriz Alcântara (Fortaleza: Imprece, 2019).
Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.