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Confidências a Emily

Do Baú de Licânia, escritor cearense captura um dos nomes da poesia para o deleite dos nossos leitores.

*Clauder Arcanjo

Se recordar fosse esquecer,

Eu não me lembraria.

Se esquecer, recordar,

Eu logo esqueceria.

Dobra a curva do Esquecimento e te apresenta frente ao meu olhar trêmulo, Emily. A noite foi longa, a Espada cortou os céus, e o firmamento tomou feições de rubra noite. Sem descanso, adulei meus versos, e eles não sorriram para mim.

Uma estrela, outra estrela

Que se extravia!

Uma névoa, outra névoa,

Depois — o Dia!

Há dias em que velo o tempo, há noites em que velo a lua, nada se me apresenta como estrela, nada me sepulta esta névoa tão dura e impura.

Que o Dia me venha; senão como prêmio, ao menos como Advento desta Loucura.

Acordo e os meus honestos dedos

(Foi-se a Gema) censuro —

Uma saudade de Ametista

É o que eu possuo —

A “Esperança” se crava

Com penas na alma —

Seu canto sem palavras —

Nunca para —

Apesar da lúcida cisma e do turvo vento, Emily, há em teus versos a marca de um novo descobrimento. Uma Esperança (ao tempo em que avara e por demais suculenta) que não para de nos secar, enquanto nos constrange, sustenta e atormenta.

Não sou Ninguém! Quem é você?

Ninguém — Também?

Então somos um par?

Não conte! Podem espalhar!

Tão pública declaração de invisibilidade torna tua voz, Dickinson, uma aura de dor na Lama do Universo. Se somos um par (que Presunção a minha!) não contes a ninguém, há loucos que rasgam versos por detrás da escrivaninha da Fama. Querem o revés do Aplauso, quando o justo cetro seria uma risada de mofa, Esmola audaz e traquinas.

É a Hora de Chumbo —

Que quem sobreviveu relembra,

Como um Enregelado lembra a Geada —

Calafrio — Estupor — depois mais nada —

Dá-nos a razão da Geada, Emily, que queima a carne daqueles que ousam superá-la. No Calafrio do Chumbo, não existe a hora de morrer, o tempo, no estrupício da forja eterna, não tem minutos para o Esqueleto de Utopia que desfila (indaga e sobrevive) ao longo da solene Tarde do Nada.

Calava-me — de hábito —

Falava só baixo e frugal,

Não suportava — o alto —

Ruído me fazia mal —

— Não, Emily, teus versos, quanto mais frugais, mais alteiam-se na cumeeira da Madrugada, a destelharem (That never ceased to fall —) a Casa de Ouro da Insônia, (dis)pondo o Silêncio a revelar-nos o segredo de dizer mais, quanto mais se nos recolhemos. Cupida, és altaneira; tímida, tu te revelas Gerânio: pequena, esquiva, notada e procurada.

Emily, outro mundo impera nesses Aromas que trescalam no Império da Tarde. Quer verão, quer inverno. Apenas, percebo, um pouco de Agito, três gotas de Resignação, meio copo de Ameaça, e uma onda de Dor que desponta (e some) ao sabor da ressaca do Vinho da Alvorada.

Um halo de luz a escorrer pela dobradiça da janela vem depor sua Insensatez nos pés do meu exílio. Contudo, ao meu redor, não há sinais de luto, muito menos as entranhas expostas da última Lápide.

Algumas Borboletas há

Nos Campos do Brasil —

Voam ao meio-dia só —

Depois — cessa o Alvará —

Ao entrever, Poetisa de Amherst, o fim de Tudo (se é que existe fim, se é que saberei o que é o meu Tudo) hei de (de)cantar uma Ode, revés da Ausência, em honra a tão nobiliária herdeira das inúmeras falas.

Agora, melhor, então, é dobrar a língua e guardar o resto da Voz. Em Licânia, aprendi, também:

Eu temo a Fala escassa —

O Homem que fala Pouco —

O Falastrão — é oco —

O Tagarela — passa —

Obs.: os versos, em itálico, foram extraídos da obra Emily Dickinson: Não sou ninguém, de Emily Dickinson, traduções de Augusto de Campos. 2 ed. rev. e ampl. — Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2015.

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.