Clauder Arcanjo*
No dourado dos trigais
nos cantos do amor profundo
no aceno dos coqueirais
nos prantos todos do mundo
a tarde dói os meus ais.
Os ais que me acompanham, Lilia, os prantos que se manifestam diante (e dentro) dos meus olhos são obras deste mundo e de seus (sobre)viventes.
Há uma teimosia nossa em acenar com desgraça, quando o mais correto seria alardear (e venerar) os manifestos de amor profundo.
Enquanto isso não se dá, nós, os poetas, trombetearemos protestos em versos pungentes; apesar de, em meu caso, tecidos com nós de pouco engenho, mas com muito lamento e infausta dor.
A incansável roca
tece os fios da vida
com os raios da noite
com os raios do dia
cantando as horas
numa língua esquecida.
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Adormeci mandacaru.
Sonhei rios caudalosos.
Fluí tortuosos caminhos,
sem rotas, sem mapas.
A aurora me fez flor.
Amanheci pássaro.
— Quem se faz pássaro merece a culminância do azul! — Bradava, lembro bem, o cordelista das várzeas de Licânia.
Ouso afirmar que quem fia a noite com o dia, montando o manto das horas, cobrindo o sertão com o lençol da imensidão, há de amanhecer no ninho inominável, recanto em que as fiandeiras de outrora sabiam de onde suas vestes se originavam. Em suas mãos, o molde arteiro de peças nacaradas de estrelas, pejadas de albores e com o mapa exposto dos tesouros prometidos.
Num canto da sala
a aranha fiandeira
tece a eterna teia
o impossível de ser…
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Há um rio dentro de mim,
em incessante viagem,
levando mágoas, desilusões,
pedras, vendavais, aluviões!
Este meu rio tem nome: Acaraú. O sujeito, sina: sou poeta provinciano. Minha viagem não cabe destino nem fim. Tais mágoas, desilusões que se amontoam como pedras tangidas pela caudalosa correnteza das enchentes. Estas, crias dos vendavais bissextos, madrastas dos benfeitores aluviões que engravidavam as ribanceiras de melancia, milho e feijão.
Quero fugir do desencanto
que se instala,
da lágrima que corre
e me sulca em rios.
Deste quarto fechado
anseio escapar
e não encontro porta.
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Na parede branca
da sala vazia
o relógio masca as horas
come os dias
o tempo devora
e não sacia…
Pendurei na sala do meu lar um quadro com a Matriz de Licânia. Assim agi, para, com isso, ser digno de receber a bênção de Sant’Anna na minha sala, bem como garantir a (in)confidência do tempo de criança sobre cada um dos meus esquecimentos de provinciano.
Toda vez que ousar engolir minhas reminiscências e devorar os tesouros da minha gente, o relógio da Matriz haverá de badalar seu férreo protesto, tangendo meus passos no rumo certo, evitando assim que nunca mereça o chavão de mendaz palhaço.
Quando me deito
rompe a cortina da noite
a adaga da solidão
e me fere horas a fio
e me sangra
e me exaure
e me larga no leito
até romper o dia.
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Explode um poema
incendiando a noite.
Sempre acredito no milagre da noite. Apesar do seu escuro e nebuloso destino, no seu colo sempre me incendeio de inspiração; e as estrofes nascem, vozes a gravitarem diante dos astros na minha insone vigília.
Ladino, finjo não entender tal clamor; para, logo cedo, vê-lo luzir no pálido borrão da mesa da manhã. Entre xícaras e frutas, entre pães e outras ofertas. Poema, café completo.
Quando nem se supunha a vida,
nem de agora estes ventos,
nem meu pranto e desvario.
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O silêncio navega a noite.
E somos todos navegantes neste pélago de degredo e falso sossego. De quando em vez, a tormenta explode como ressaca na madrugada, desmontando nossos barcos, destruindo nossos cais.
Logo no dia seguinte, serenos e tranquilos, seremos testemunhas de que o silêncio agora reassumiu o timão. Os astros nos vigiam, as mulheres rezam por nós e fingiremos crer na pureza das nossas oceânicas rotas.
Sem silêncio, bendiz o canoeiro de Licânia, nem uma plácida lagoa se navega à noite.
As longas asas
exigem alturas
pedem lonjuras
e não podem ir.
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Ando a entardecer
e ainda espero, sedento,
por novas auroras.