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Confidências a Pessoa

Do Baú de Licânia, escritor cearense-potiguar compartilha com os leitores de Navegos suas meditações sobre o múltiplo poeta português Fernando Pessoa.

*Clauder Arcanjo

A vida é breve, a alma é vasta:

Ter é tardar.

Preso às obviedades da vida, caminho como se o infinito estivesse à minha frente.

Licânia, o meu mundo de ontem, se achega dos meus passos, a me relembrar dos meus mortos: papai, meus tios, minhas tias, a velha (e boa) Lídia, os anjinhos que passavam em caixões azuis para o cemitério cinza.

Se sei que ter é tardar? Nãp sei se sei. Apenas, pessoalmente, iludo-me que viver é lutar. Que maçada!

O mito é o nada que é tudo.

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Os paquetes que entram de manhã na barra

Trazem aos meus olhos consigo

O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

Nesta manhã distante dos meus, descubro um porto com navios silentes em águas calmas.

Observo a marina; e não descubro o mistério de partir e chegar, de chegar e partir, Pessoa. Tão somente os meus olhos se revelam o cais do rio da minha província.

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!

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Ai que prazer

Não cumprir um dever,

Ter um livro para ler

E não o fazer!

Ler é maçada,

Estudar é nada.

O sol doira

Sem literatura.

E, Pessoas, leio e releio os teus inumeráveis heterônimos e não decido qual deles mais me alumbra.

Se pastoreio as nuvens, ouço o pulsar de um deles. Se mergulho na metafísica do nada, um outro espeta-me o juízo. E, se por acaso, navego em tua Mensagem, tu mesmo me advertes: “Dentro do homem, Arcanjo, há vários poetas”.

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 Há metafísica bastante em não pensar em nada.

Rei não fui, engenheiro me fizeram, poeta me iludi.

Hoje, nesta manhã abraçado com o vazio e a aflição, cismo em não pensar. Na janela, em verdade, o Nada me observa.

A vida teima em me filosofar. Mas não me entregarei fácil, estejam certo.

Há dois males: verdade e aspiração,

E há uma forma só de os saber males:

É conhecê-los bem, saber que são.

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Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Soltei o louco que estava preso dentro de mim, o pobre homem sentou-se junto à sarjeta, e passou a rabiscar certezas de outrora na água suja que corria na coxia da rua.

Quanto ao que escreveu, melhor nem pensar. Poderia destronar homens e mitos há séculos festejados. Viver é não crer nos credos dos santos loucos.

O mundo é para quem nasce para o conquistar

E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.

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Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

Os leitores, ao se acostumarem (ou se alumbrarem) com os teus (nossos) versos, Fernando Pessoa e tais, se enlouquecem com tuas rimas, se apiedam de tanto fingimento em teus poemas em versos livros, e, bestialmente, procriam-se.

E a Poesia teima em renascer, sem metafísica, na esquina menos festejada; e, assim, festeja-se o Nada!

O abismo é o muro que tenho

Ser eu não tem um tamanho.

Verdade não há; apenas, e tão só, um muro alto, construído com os tijolos dos temores da província, e que se deixa infestar com a hera cadavérica do abismo.

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Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

No meu reino infante, não houve mar, nem cais. O rio da minha província cumpriu a salgada missão de me instruir com seus mitos, tipos e ritos.

O canoeiro da minha província navegava com fatal destemor nas enchentes. E os remansos, as ilhas e o soar dos búzios me ofertavam o mistério das tormentas.

Ó Acaraú, Tejo de Licânia! Vales-me mais de que todos os oceanos, porque em ti espelhei o meu pequeno, triste (fatal e venturoso?) céu ribeirinho.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu

Mas nele é que espelhou o céu.

Obs.: os trechos em itálico foram extraídos da Obra Poética Completa: Volume Único (Edição definitiva), de Fernando Pessoa (edição digital).

Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.