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Confidências de um escritor compulsivo

Membro da Academia Norte-riograndense de Letras, Clauder Arcanjo navega pelo rio da literatura e seus afluentes, convicto de que só viver não lhe basta.

*Franklin Jorge

 O que o levou a escrever?

Escrevi porque senti, já na maturidade, que teria que externar algo que me afligia. Os tipos da minha terra, a memória da minha gente, os espectros do tempo e uma galeria de invenções que se insurgiam dentro de mim. Escrevo, parafraseando Ferreira Gullar, porque viver não me basta.

Parece-me que a literatura, atualmente, encontra-se relegada ao anonimato, apesar da avalanche de títulos publicados. Como vê isso?

Há uma compulsão em publicar exagerada, concordo. De norte a sul, de leste a oeste. Como editor, sempre defendo a amizade dos novos escritores com a gaveta: guarda-se, depois se relê para avaliar se o texto resistiu ao necessário “ostracismo sabático”. A messe é grande e são poucos os eleitos. O tempo há de separar o joio do trigo. Mas, reflito: Como bem julgar se “vários excomungados” pela crítica foram incensados (e depois laureados) pelo tempo?

O que lhe inspirou a série de textos “Confidências”, em homenagens aos escritores?

Em certa tarde solitária, flagrei-me em confidências com Clarice Lispector, mestra das letras que sempre me acompanha. Quando dei por mim, acredite, recitava alguns trechos de Clarice, para, em seguida, me intrometer com declarações próprias. Sentando à escrivaninha, nasceu o “Confidências a Clarice”. Nas semanas subsequentes, outros escritores acorreram à mente deste rematado provinciano. Resolvi, então, organizar os nossos “convívios literários” quinzenalmente. Já me confidenciei com Beatriz Alcântara, Emily Dickinson, Walt Whitman, Hilda Hilst, Miguel de Cervantes, Eugènio de Andrade, Nicanor Parra… Sem mencionar que Pessoa, Cecília, Machado, Quintana, Lilia Souza, Miguel Torga, Borges, Cascudo, Pirandello, Sophia de Mello Breyner Andresen, Neruda, Zila Mamede, Shakespeare, Kalliane Amorim, Bandeira, Ferreira Gullar, Octávio Paz, Dostoiévski, François Silvestre, Raduan Nassar, Drummond… já me sopram aos ouvidos. Acácio, meu fiel companheiro, vê nisso um cheiro de novo livro. Vejamos, não apressemos o rio da literatura, ele corre sem pressa (e sozinho).

 A literatura precisa de Academias?

A literatura só precisa de Arte. Os homens é que não prescindem do convívio entre semelhantes. Gosto de professar uma máxima, pretensa paráfrase da ritualística cristã: “Não olheis para os nossos pecados, mas, sim, para a fé que ‘deve’ nortear as nossas Academias”.

Como vislumbra o anonimato das letras potiguares?

É uma questão que aflige a todos: escritores, leitores, professores, editores… enfim, a homens e mulheres ligados aos valores da nossa gente. Apesar de alguns casos isolados de genialidade no campo das letras potiguares, a nossa Arte literária não consegue romper, como deveria, os limites regionais. Em vez de tentar aprofundar tal diagnóstico, eu decidi, há anos, que daria tudo de mim para melhor descrever os nossos dramas, para explicitar as nossas angústias; quer em versos, aforismos, contos, crônicas ou em pretensos romances. Em literatura, bem sei, a boa intenção não vale um verso; porém a musa é amiga dileta do esforço e da teimosia, bem como dos puros de fé.

E do Ceará, sua terra natal?

O Ceará, minha terra natal, e o Rio Grande do Norte, meu chão adotivo, foram integrados por mim. Licânia, minha província literária, é um estirão que começa no alto sertão cearense e vai dar nas dunas potiguares.

Crê que a literatura serve para alguma coisa, além de afagar vaidades provincianas?

A literatura só serve para servir a si mesma. Um detalhe: o efeito colateral de seu uso contínuo (advogam os gênios da raça) é a perpetuação de uma nação. A Grécia é cria de Homero. A Espanha é dádiva de Cervantes; a Itália, de Dante; a Alemanha, de Goethe. A cultura nos eterniza, nos humaniza. Caso contrário, nunca passaremos da posição de “povos”, como se condenados a arremedos de errantes hominídeos. A literatura (como bem cultural) deve ser a nossa suprema vaidade.

Franklin Jorge é escritor e ativista dos Direitos dos Animais