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Contribuição à uma pedagogia do anonimato

Escrevendo sobre o livro sobre o livro Teotônio Freire: fragmentos de um legado, Natal: Instituto Câmara Cascudo, 2012, 82 p.), professor do Departamento de Letras da UFRN ressalta a obsessão da autora pelo documento em seu resgate da memória do seu avô, o desembargador Teotônio Freire, sogro do escritor Luís da Câmara Cascudo

*Márcio de Lima Dantas

O novo livro de Ana Maria Cascudo Barreto (Teotônio Freire: fragmentos de um legado, Natal: Instituto Câmara Cascudo, 2012, 82 p.) soma-se as suas demais obras de resgate de personagens que integram a história e a cidade do Natal. O legado do pai Câmara Cascudo, que foi um eterno guerreiro contra as forças corrosivas e devoradoras de Cronos para com os eventos do cotidiano ou de traços pessoais de determinado indivíduo que contribuiu para a edificação e funcionamento da comunidade.

A tarefa de cultuar a deusa Memória parece ser inerente a um certo de tipo de personalidade, cujo caracteres principais são a introspecção, a tendência a não compactuar incondicionalmente com a realidade como se apresenta e o apego aos aterros de histórias, fábulas ou biografias largado pelo tempo em sua impiedosa empreitada em direção a um futuro quem nem mesmo divisa qual seja.

A obsessão da autora pelo documento, pelo vestígio deixado por sua personagem, seu avô materno, a faz pesquisar tudo o que se relaciona a esse homem e sua presença no mundo, ainda que essa busca renda poucos dividendos. E considerando a vida do jurista Teotônio Freire, isso exarceba-se, pois não ocorreram peripécias ou maiores acontecimentos que o destacassem de um cidadão comum, anônimo e cumpridor dos seus deveres. Houve uma vida linear, tendo sido a profissão de jurista uma escolha existencial, dedicando-se a seu ofício de maneira diligente e responsável. Cabe destacar apenas que levou uma vida modesta e sem maiores pretensões, com hábitos simples das gentes que se sentem à vontade no mundo, aceitando estoicamente cumprir de maneira ilibada o que concerne à profissão de magistrado e suas responsabilidades para com seus próximos.

Com efeito, até parece que era o tipo de pessoa que não gostava de novidades, preferia o equilíbrio que só um cotidiano bem organizado pode proporcionar, liberando o indivíduo para dedicar-se às tantas demandas da jurisprudência. Das suas fotos, percebemos um temperamento sereno, pacato, entrevisto por um rosto com traços bem definidos, ângulos retos, bigode bem cuidado, denotando um suave desenho no qual vigoraria, quem sabe, a razão suplantando a emoção. Mesmo as fotos quando já envelhecido, com olhar quebrantado por resignada melancolia, como é inerente a todo idoso, ainda conseguimos entrever uma auréola de ternura e equilíbrio interior circunscrevendo as linhas do rosto.

Eis um homem com uma dimensão existencialista extremamente forte, na medida em que escolhe um ofício e se dedica a ele com denodo. Creio que esse seja o aspecto mais interessante da vida de Teotônio Freire, pai de Dhália, esposa de Câmara Cascudo. A saber: a possibilidade do indivíduo escolher como deve conduzir sua vida, como deve agir perante seus semelhantes, como deve portar-se com responsabilidade face a seus colegas de trabalho. Enfim, um projeto de vida não pautado pela noção de destino, mas pela ideia de livre arbítrio que o humano detém, mas nem sempre, por covardia ou irresponsabilidade, procura fazer valer. Creio que as escolhas na vida não são somente relacionadas à dimensão profissional, mas se estende, sobretudo, aos aspectos do comportamento para com amigos, vizinhos e familiares. Ou seja, nomeia-se também áreas subjetivas que estão mais de acordo com pendores íntimos as quais o ser busca conduzir sua vida.

Há quem diga que o homem morre como vive. Se assim o é, talvez esteja explicada a velhice e a morte de Teotônio Freire: plácidos dias na casa da filha e do genro preferidos, lugar no qual veio a falecer. Morreu como se morria antigamente: em casa, deixando mais um fantasma na antiga casa da Junqueira Aires. Um fantasma que a ninguém assombraria, mas seria presença permanente como exemplo de vida para seus pósteros parentes.

Em destaque Anna Maria Cascudo Barreto folheia o livro que escreveu sobre o avô materno, em cima, o historiador Anderson Tavares de Lira e a autora