*Edilson Alves de França
No seu livro A República dos Apadrinhados, o jornalista Gilberto Dimenstein já chamava atenção para uma certa estratégia de defesa, desdobrada em três flancos primários, utilizada por alguns dos envolvidos em atos de corrupção.
Num primeiro passo, o investigado questiona a legalidade ou regularidade formal do procedimento apuratório. Depois, num segundo ato da encenação, procura estabelecer uma vinculação entre a investigação e um hipotético interesse inidôneo, de preferência político. Numa terceira etapa, carrega toda a munição disponível nas costas do denunciante ou do investigante, procurando desconsiderá-los perante a opinião pública.
Evidente que, para obter sucesso nessa maquinação, o corrupto se valerá da imprensa. É também através dela, por intermédio de notícias plantadas, artigos ludibriosos ou notas pagas que ele tentará trazer para o banco dos réus, caseiros, motoristas, aderentes, secretárias e, até mesmo, policiais encarregados da investigação respectiva.
Mais recentemente, como se não bastasse o alcance nefasto dessa odiosa hipocrisia, bem marcada pela falta de compostura, certos indivíduos, direta ou indiretamente interessados no desfecho proveitoso de tramas escusas, têm ocupado as páginas de jornais para tentar desqualificar a atuação do Ministério Público. Esgoelam-se, desvairadamente, sem notar que a velhacaria escrita volta-se contra o próprio detrator, quase sempre identificado como lacaio ou como o próprio interessado na pantomina. Esquecem-se de que, invariavelmente, os que atacam o Ministério Público o fazem por ignorância ou por serem velhos atores passivos de suas peças criminais.
Penso que duas orientações devem ser adotadas pelos membros da instituição diante dessa esperteza pré-processual. A primeira delas deve ser no sentido de que não arrefeçam o entusiasmo nem percam o estímulo que brota das suas ações em favor da sociedade. Devemos manter a esperança de que, um dia, a dignidade e a ética ocupem o vazio moral então reinante.
A tarefa é árdua, porém, possível. A segunda orientação, que acredito acertada, recomenda mais trabalho e menos preocupação com respostas que possam sugerir certa importância aos ofensores de hoje e, certamente, réus de ontem ou de amanhã.
Não devemos esquecer a lição do incomparável Rui Barbosa, posta no sentido de que certas imputações, por ridículas e ignóbeis, sequer merecem ser debatidas. Deveriam, segundo ele, ser expostas em um simbólico pelourinho moral, tão somente, para receber o castigo da reprovação pública. Aliás, bem antes, Sêneca já havia advertido que o melhor remédio para as afrontas ardilosas ou pervertidas é o desprezo.
O Ministério Público precisa preocupar-se com o seu futuro. Com nosso país, esquartejado pelas investidas indecorosas de lobos famintos que disputam, segundo lamento de Clóvis Bevilacqua, “… as migalhas de um poder degenerado (…), abatido pela exaltação da mediocridade bem-sucedida de charlatões e pusilâmines da coisa pública”. O que não pode nem deve acontecer é o desânimo diante das ofensas à instituição ou a seus membros, sobretudo quando postas a serviço da corrupção ou quando buscam alargar o horizonte da impunidade e da desesperança.
Essa, por atual, deve ser a nossa preocupação cívica e institucional. O Ministério Público não precisa ser “formidável paladino” como ironicamente sugerido há poucos dias. Também não tem do que se defender.
Sua atuação, seu trabalho, sua integridade, independência e vocação democrática afloram de suas ações cotidianas. Estão estampadas nas revistas de jurisprudência, nos livros de doutrina e nas reveladoras obras que tratam do fenômeno da corrupção no Brasil. A última delas, sugestivamente intitulada Um Brasil Canalha, bem pontifica a posição do Ministério Público em relação às quarenta e cinco mil canalhices ali apontadas. Do escândalo da mandioca aos sanguessugas, o Ministério Público sempre esteve em lado oposto ao dos corruptos. Deles, consequentemente, não espera elogios.