*Alexandro Alves
Esta série de artigos sobre o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, iniciou-se com um prólogo, aqui: https://www.navegos.com.br/meu-encontro-com-paulo-freire/, continuou aqui: https://www.navegos.com.br/paulo-freire-treinador-de-soldados-1/ e aqui: https://www.navegos.com.br/militante-aliena-educacao-em-favor-da-esquerda-2/. Este é, portanto, o quarto artigo, de um total de cinco. Neste, desejo falar sobre algumas ideias famosas oriundas desse livro, que se tornaram marca de Paulo Freire e também falarei sobre o seu legado. O quinto e último artigo, um epílogo, versará sobre algumas propostas à pedagogia freiriana. Lembrando que as citações de Pedagogia do Oprimido são da edição da Paz e Terra, de 1987.
Talvez a ideia mais famosa de Freire seja a de “falar na linguagem do aluno”, como ficou popularmente, na verdade, banalmente conhecido, o seu desejo de, a qualquer custo, ser reconhecido o conhecimento que o corpo discente traz de sua vivência para a escola. Essa ideia é muito comentada na Pedagogia do Oprimido. Algumas vezes Freire comenta: “Não são poucos os camponeses que conhecemos em nossa experiência educativa que, após alguns momentos de discussão viva em torno de um tema que lhes é problemático, param de repente e dizem ao educador: ‘Desculpe, nós devíamos estar calados e o senhor falando. O senhor é o que sabe; nós, os que não sabemos’”, (Pedagogia do Oprimido, página 28); ou: “O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca”, (ibidem, página 34). Para evitar essa negação, o educador deve: reconhecer os conhecimentos de seus alunos, também igualar o conhecimento acadêmico com o senso comum e falar na linguagem discente. “Descer do pedestal”, usando uma expressão cotidiana. Evidentemente que todos nós temos conhecimento e todos são importantes. A questão é o espaço e o momento.
Alguém imagina chegar em um consultório médico e supor que o médico falará a linguagem do paciente? Ou mesmo que o médico, negando sua “opressão”, seu caráter “opressor”, simplesmente fale para o paciente: “seu conhecimento aqui é tão útil quanto o meu; portanto, lhe digo para que não tome leite com manga, pois faz mal”. Alguém imagina isso? Alguns anos atrás vi em um consultório um cartaz que dizia: “Não duvide de seu médico! Ele estudou para lhe ajudar!”.
Entretanto o conhecimento acadêmico de uma licenciatura precisa passar, em sua atividade profissional, pelo rebaixamento de se igualar a um conhecimento informal. Isso tornou a profissão de professor motivo de piada. Motivo de desrespeito. Motivo de asco. Ninguém leva mais a sério esse profissional. Todos sabem mais do que ele.
Chegamos a um nível tal, que professores elaboram suas provas com conteúdos simplórios, imbecilizantes e sem qualquer critério. Tal qual um professor de filosofia, Antônio Kubitschek, que em uma questão de prova para 400 alunos do ensino médio, denominou de pensadora a funkeira Valesca Popozuda. Mais de 2000 mil anos de filosofia prontos para serem usados e o professor faz uso de uma “artista” cujo talento é mostrar-se quase sem roupa. Mas isso faz “parte da realidade do aluno”. Apenas desculpas para mostrar a própria mediocridade.
Alguém imagina um paciente falar para o médico, após a consulta: “Isso é mentira, é apenas sua opinião!”? Mas é exatamente o que ocorre hoje em sala de aula de qualquer disciplina. Já há relatos pela internet de professores de física que, quando falam que a Terra é um globo, o aluno, munido de todo o seu conhecimento, grita: “Isso é sua opinião!”. E ainda recebe apoio de uma família desequilibrada.
Isso não deu-se de vez. Foi aos poucos. Com o demérito da profissão de professor. Demérito que vem não apenas pelos péssimos salários, mas também e sobretudo, pela invisibilidade que a figura do professor vem ganhando ao longo dos tempos. Hoje, sequer seu conhecimento é digno de distinção. É apenas opinião, de um lado, e do outro, uso de obviedades simplórias para tornar o professor falsamente “pop”. O “falar na linguagem do aluno” foi, aos poucos, tornando desprezível a figura docente. Desprezível porque sem qualquer distinção do povo mais comum. Ironia trágica: a ideia de Freire, na prática, é o seu contrário. Legado ruim.
Outro legado ruim de Freire é seu uso da palavra “educador”. Em Pedagogia do Oprimido, embora a palavra “professor” faça-se presente, o autor prefere, sem dúvida, o termo “educador”. Uma sociedade burra, preguiçosa e irresponsável é aquela que retira a responsabilidade da família em educar e a transfere para a escola. O legado disso? Alunos mal-educados, sem qualquer noção de respeito. Um professor não pode ser educador. Isso é tarefa dos pais. A falta de fronteira entre o dever dos pais e o dever dos professores sobrecarrega estes e enfraquece aqueles. Em qualquer sala de aula hoje se colhem os resultados disso.
Mesmo assim, uma observação que sempre é feita por apoiadores de Freire é que: “Nunca no Brasil o método Paulo Freire foi testado”. Isso não ameniza a situação, na verdade potencializa o problema. Ora, se Freire nunca foi testado no Brasil, ele é o “Patrono da Educação brasileira”, por quê? Então temos no país um indivíduo patrono de nossa educação, dito pedagogo e que nunca teve seu método testado aqui? Então por que Freire recebeu tal título? Talvez por ser amigo e do mesmo partido que a autoridade que o concedeu? Nesse caso, a presidente Dilma Vana Rousseff. Então estamos em um caso, se de fato Freire nunca foi testado no Brasil, de alguém que recebeu um título sem mérito algum. Pode isso? Pode, sim! Lima Barreto, em “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, nos apresenta um país louco por títulos e honrarias vazias. Se for amigo do político, você terá o título, a comanda ou a honraria, sem mérito, mas com muita pompa e circunstância. E caso o mesmo tenha sido de fato testado no país, o título continua vazio, porque os resultados de nossa educação são sempre desanimadores. Em qualquer um destes casos, não há escapatória para Freire.