*Percival Puggina
É fácil, muito fácil, compreender a inimizade que nossa Suprema Corte nutre em relação às redes sociais. Os ministros Luiz Fux e André Mendonça, mais o primeiro do que o segundo, acabam de romper a cortina de silêncio e autolouvações com que o STF vinha tentando eclipsar seu litígio com dezenas de milhões de brasileiros incomodados pelo ativismo esquerdista da Corte. Embora o ministro Dias Toffoli se sinta “representante” de cem milhões de votos (na curiosa soma dos votos dados ao presidente que o indicou com os votos dos senadores que o aprovaram), nesse sentir ele é um “trans” – um não eleito que se sente consagrado nas urnas. O poder dos ministros não deriva de representação popular.
Aliás, aproveitando a analogia: o sentir de alguns membros do Supremo, produz um efeito “trans” reverso na sua percepção sobre conservadores e liberais. Cidadãos com apreço à cultura ocidental e seus fundamentos judaico-cristãos são vistos, percebidos e tratados, como “de extrema direita”, suscitando rejeição por se oporem ao falso progressismo tão ativo no topo do judiciário brasileiro.
Todos temos observado, ao longo dos últimos anos, partidos de pouco voto nas urnas e, por consequência, nos plenários, subirem no banquinho de uma estatura política também ela “trans” para se autoproclamarem os únicos representantes das aspirações populares. Sentindo-se assim, bem impressionados consigo mesmos, mas derrotados nas deliberações de plenário, a toda hora correm e recorrem ao STF para buscar lá, entre 11, a maioria que não tem entre seus 513 pares de legítima representação popular. E funciona…!
Em 2019, o ministro Barroso, hoje presidente do STF, proferiu palestra na Universidade de Columbia. Matéria do Estadão sobre o evento, publicada no dia 25 de abril daquele ano, reproduziu uma série de vigorosas afirmações de S. Ex.ª, entre as quais destaco duas. 1ª) “Uma Corte que repetidamente e prolongadamente toma decisões com as quais a sociedade não concorda e não entende tem um problema”. 2ª) Depois de esclarecer que tal não era sua opinião, mas fato, afirmou que na percepção da sociedade “alguns ministros demonstram mais raiva dos promotores e juízes que estão fazendo um bom trabalho do que dos criminosos que saquearam o país”.
Em março, mês anterior ao referido evento, fora instalado o inquérito 4781 (das Fake News) e uma semana antes, ocorrera a censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé. Os problemas de maior porte estavam apenas começando.
É normal que a opinião livre expresse contrariedades. Perguntem à sociedade onde vê mais inverdades, mistificações, falsidades, narrativas, sofismas e omissões. Será nas redes sociais? Ou nos poderes políticos? Ou na velha imprensa? Combater o debate popular autônomo nas redes sociais e na mídia digital é um disparate pois as razões para fazê-lo valeriam contra tudo e contra todos. É muito bom que o cidadão possa dizer o que pensa e isso alcance a muitos. Ele pode fazer soar a campainha do celular no bolso do deputado, acessar suas páginas nas redes, opinar em seus vídeos, falar ao presidente. Qualquer indivíduo pode propagar suas ideias em espaços próprios, em páginas, perfis e canais. Pode criticar seu vereador e seu senador; seu prefeito e seu governador. Pode criticar o Papa. E ninguém dirá que isso é agir para descrédito das instituições. Aliás, esse desabono, quando ocorre, é gerado dentro dos poderes. Não é a crítica que causa o descrédito, mas o descrédito que a motiva.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.