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Da individualidade ao individualismo

Acrianos se tornam Colaboradores de Navegos no mês em que a revista completa um ano de circulação ininterrupta. Aqui eles escrevem sobre uma das questões da Filosofia contemporânea.

Evandro Gonzaga Santiago[1] e Joelma Ferreira Franzini[2]

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A Filosofia Contemporânea, nos apresenta temas instigantes, dentre eles, o fenômeno do individualismo enquanto uma característica da atualidade.

Para evitar qualquer tipo de equívoco, necessário se faz a correta distinção entre os significados de individualidade e individualismo. Assim, recorremos a ajuda do dicionário, com a finalidade de estabelecer as adequadas definições. Por individualidade, entende-se: “O todo do indivíduo ou do ser, o Conjunto das qualidades individuais…” (DICIONÁRIO AURÉLIO DE PORTUGUÊS ONLINE, 2005, s/d). O individualismo, por sua vez é definido como: “Tendência de quem pensa somente em si próprio; egoísmo; egocentrismo…” (DICIO-DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS ONLINE, 2009, s/d).

Dessa forma, a primeira fornece as características especificas de cada ser, já a segunda, desagrega ao tornar esse ser egoísta e egocêntrico. Assim sendo, estão longe de serem sinônimos, dado a distância entre pessoas que saudavelmente preservam sua individualidade, de outras que cultivam seu individualismo, levando-as, por vezes, a prejudicar a si mesma e aos que estiverem a sua volta. Para Oliveira (2009), é fato que a individualidade, enquanto experiência da condição humana vem sendo transformada, de forma coercitiva e consciente, em individualismo, na sociedade atual.

Rouanet (1993), afirma que na antiguidade o Ser era compreendido coletivamente (o clã, a tribo, a polis), pois fazia parte da sociedade a que pertencia originalmente, contudo, ocorreu um rompimento dessa visão comunitária, e o homem passa à condição de indivíduo. O Renascimento estabeleceu um momento de enormes transformações para o futuro da humanidade, sobretudo no campo do progresso científico. Desta forma, se antes o centro de tudo era Deus, com o Renascimento, o centro de tudo agora é o homem. Os ideais Renascentistas proclamavam a atuação transformadora do homem sobre o planeta e a realização de seus anseios e ambições. Dessa feita, foi se tornando natural a mudança dos valores, tradições e condutas e as antigas crenças passam a ser afrontadas pela postura científica em voga. Contudo, é gerado um vazio diante do ser humano: o desamparo da criatura finita diante de um mundo sem fim.

Tem início na Idade Moderna (lembrando que Idade Moderna não é o mesmo período que a Idade Contemporânea na qual vivemos), um tempo marcado por grandes transformações. O desenvolvimento da ciência moderna levou o homem ao saber “ativo” em contraposição ao antigo saber “contemplativo” e inquestionável do poder divino, dando origem à ciência moderna. Enquanto os conhecimentos medievais se constituíam num corpo de certezas definitivas, não admitindo erros, mudanças ou crítica, a ciência moderna e racional vai propor formular leis e princípios que expliquem os fundamentos da realidade. (ARANHA, 1992).

Como não poderia deixar de ser, o advento do capitalismo teve um papel fundamental em todo esse processo. Bem sabemos que na Contemporaneidade, o homem é livre e possui sua individualidade (ou individualismo) respeitada, se possuir o dinheiro suficiente para pagar o preço de seus desejos e necessidades, reais ou criadas.

Segundo Souza (2018, s/d), a contemporaneidade se caracteriza, sobremodo, pelo processo de aceleração da urbanização crescente em várias partes do mundo, aumento da população, o avanço na divulgação da informação, o crescimento na produção de bens de consumo e na forma de vida de cada indivíduo. O tempo também é um fator relevante nesse contexto, os dias e as horas se tornaram mais frágeis e aumentam as expectativas para o futuro.

Nas três últimas décadas do século XX, crenças, valores, ideais e conceitos, foram todos transmutados. O mundo, como as pessoas acima dos trinta ou quarenta anos de idade o conheceu, se acabou. Contudo, de que forma essa contemporaneidade, fruto da modernidade e do pensamento cartesiano, estaria formatando essa individualidade transmutada em individualismo egoísta e descompromissado?

Para Khel (2002), as sociedades denominadas modernas destacam como pilares a liberdade, a autonomia individual e a valorização narcísica, nova forma de alienação rumo ao gozo e ao consumo. De modo que as gerações vindouras são constituídas por um rompimento com as gerações anteriores e, nesse contexto, cada indivíduo “se crê pai de si mesmo”, sem compromisso com o outro.

O individualismo do mundo contemporâneo também estaria associado ao consumismo. Debord (1997), denomina a sociedade como de consumo ostentatório e do espetáculo, na medida em que a economia submete a todos e vai modelando para si a multidão do consumo, transformando SER em TER.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo: Moderna, 1992.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

INDIVIDUALIDADE. In: DICIONÁRIO Aurélio de Português Online. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/>. Acesso em: 20 ago. [2005?], não paginado.

INDVIDUALISMO. In: DICIONÁRIO DICIO-Dicionário de Português Online. Disponível em: https://www.dicio.com.br/. Acesso em: 20 ago. 2018, 2009©, não paginado.

KEHL, Maria Rita. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

OLIVEIRA, Ataualpa et al. Da individualidade ao individualismo: aspectos psicossociais para os indivíduos. en Contribuciones a las Ciencias Sociales, septiembre 2009, não paginado. Disponível em: www.eumed.net/rev/cccss/05/ofkm.htm. Acesso em: 20 ago. 2018.

ROUANET, S. P. Mal-estar na modernidade. São Paulo: Cia das letras, 1993.

SOUSA, Rainer. Idade Contemporânea, 2018, não paginado. Disponível em: <https://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/>. Acesso em: 2 set. 2018.

[1] Graduado em Pedagogia e Graduado em Psicologia pela União Educacional do Norte-UNINORTE, em Rio Branco-Acre. Pós-graduado em Filosofia: ontologia, conhecimento e linguagem na história da Filosofia pela Universidade Federal do Acre-UFAC. Email: [email protected]

[2] Graduada em Pedagogia (1993), em Ciências Sociais (2008) e em Filosofia (2013) todos pela Universidade Federal do Acre-UFAC; Pós Graduada em Metodologia do Ensino Superior-UFAC (1994); Mestre em Desenvolvimento Regional (2016), UFAC. Pós-graduada em Filosofia (2018) e Ciência da Religião- UFAC (2019). Rio Branco-AC. E-mail:  [email protected]