*Francisco Alexsandro Soares Alves
Sem dúvida, um dos grandes prazeres de quem é amante de livros é a literatura comparada. Esse ramo da teoria literária, originado na França em 1887, marcou a cátedra literária sobretudo em seu país de origem, mas também nos EUA e na URSS. Há os que a criticam, evidentemente, enfatizando que a análise precisa se restringir ao texto, sem importunações extraliterárias. Para mim, a proposta ideal é a conciliação entre o texto, o ambiente e o tempo em que a obra é escrita.
Porque nada há que seja absoluto. Se nem a música é absoluta, quanto mais a literatura!
Aqui pelas terras de Cascudo, temos a publicação de um livro interessantíssimo que executa uma leitura comparada entre dois romances singulares: O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, britânica e São Bernardo, de Graciliano Ramos, nordestino.
“São Bernardo dos Ventos Uivantes”, da escritora e professora Kalina Paiva, é um livro de intelectualidade e sensibilidade fenomenais, fruto da argúcia de pensamento e do olhar por vezes espirituoso de sua autora. É um livro que, no tocante a sua leitura, é bastante agradável.
Esse livro pode servir de excelente introdução aos dois romances, bem como também pode ser lido como uma demonstração da teoria dialética marxista na literatura. Os dois romances são contextualizados dentro de questões econômicas e sociais oriundas da divisão do trabalho implementada pela primeira Revolução Industrial de 1750 ao mesmo tempo em que Paiva procede uma análise estrutural dos romances focalizada nas ações, por vezes espelhadas, de seus protagonistas.
A análise estrutural (e aqui no sentido de Saussure e Levi-Strauss), vai até as origens dos nomes dos personagens para exemplificar seus protagonismos dentro de cada obra. O que ela faz, por exemplo, com a personagem Lockwood. Fascinante.
Ou seja: aqui, a análise literária dá as mãos a uma perspicácia social e política dignas da teoria marxista – ao longo do livro, conceitos do filósofo alemão são retomados para examinar cada atuação importante dos protagonistas, desde o projeto de vingança de Heathcliff ao fáustico destino de Paulo Honório, onde o capitalismo surge como uma espécie de Mefistófeles.
Paiva também observa e delineia semelhanças entre as personagens femininas de ambos os romances. Semelhanças marcadas pela subversão de papéis e pelo empoderamento (palavra moderna que autora usa). Esse empoderamento torna evidente a forma que os romances terão, eis aqui a sacada genial de Paiva.
Por isso recomendo a leitura desse estudo tanto para quem leu quanto para quem ainda vai ler os dois romances. E não se assuste com a carga teórica pintada pela autora, porque ela é, ao mesmo tempo, uma mediadora de saberes, uma facilitadora.