*Renato de Medeiros Jota
Os quadrinhos sempre são encarados como uma arte de segunda mão, um primo pobre das artes que não merece muita atenção daqueles que “entendem” de cultura. Mas isso é apenas mero preconceito de quem nunca leu quadrinhos e se nega a buscar entender esse nicho cultural. Pois bem, a noite avança e a madrugada vem chegando devagar. Isso acontece enquanto separo alguns quadrinhos na estante, basicamente heróis sem poderes, sem milagres ou em aventuras mirabolantes, eram apenas detetives….seres humanos em aventuras de mistério. Reparo ao passar suas páginas que na ausência das “muletas” os ditos super poderes, as histórias de detetives se segurava no mistério, na violência, nos personagens do submundo, os marginais das docas, dos guetos, tudo isso me chama atenção e desperta interesse, talvez por seu teor humano, os detetives são cheios de falhas e vícios, humanos com qualidade e defeitos, iguais a nós. Os detetives são falam palavrões, tem bondades mas também são maliciosos o que os tornam humanos e criveis que nos faz inclinar a simpatizar automaticamente com eles.
Esses personagens geralmente são ex policiais, aposentados ou não, geralmente possuidores de um passado obscuro de violência e decepção que se movem por entre as sombras da cidade. São solitários e melancólicos, andando com suas capas para proteger-se do frio e da chuva que adorna o clima inclemente na cidade, seu esconderijo e residência. As mulheres são outros personagens a se destacar, saem do aspecto de submissão e passam a ser a femme fatale, perigosa em sua sensualidade, misteriosa em seu passado e doce em sua ambiguidade. O papel feminino passa a ter uma posição dúbia entre mocinha/vilã, uma espécie mista de Mister Hyde e doutor Jack, uma forma da natureza que só se interessa em sobreviver a todos os desafios em busca de uma promessa quase inalcançável. As histórias de detetive noir aconteceram primeiramente no papel na literatura e depois foi parar no cinema, como no filme abeira do abismo, Falcão Maltês, Laura entre outros.
Já nas HQs os detetives e suas femme fatale ganharam sobrevida e viraram tema recorrente nas suas páginas. Suas histórias seguiram os mesmos temas á princípio da literatura e do cinema, em que o detetive anti herói, a mulher misteriosa, bandidos violentos, corrupção e política, a narração em flashback, o clima sombrio, chuvoso e imerso em névoa que dão charme a ambientação foram mantidos. Mas posteriormente foram acrescentados outros “aparatos narrativos” como o ambiente futurista em que podemos ver em Nathan Never, contemporâneo com gangues e a violência das prisões e máfia em 100 balas e por ai vai. Todas estas HQs tem temas recorrentes nessas histórias. Personagens do papel como Rip Kirby de Alex Raymond ( chamado Nick Holmes no Brasil) e Dick Tracy indo representam o detetive tradicional, e representam esse cenário consagrado. Outra coisa que atrai o leitor nessas tramas de detetive, além da marcante personalidade dos personagens está no mistério que eles tem de descobrir e na qual leva o leitor a ler ou assistir até o final, para saber a solução do mistério. Essa carga dramática também é influenciada pelo cenário e a possibilidade de explorar as ambivalências da cidade sobre as emoções e situações ocorrida ao longo da trama atrai o leitor.
Vale salientar quanto as HQs que as historias de detetive ditas noir continuam a serem exploradas e evoluídas, com o acrescimento de cores fortes, quase chapadas, a utilização de narrativa ágil e tramas que fogem da dicotomia detetive, mistério e femme fatale foram acrescida dramas relacionadas com o submundo, gangsters, máfia, tráfico e outros temas transversais que enriqueceram e elevaram a outros patamares essas histórias.
Numa HQ o que contribui para fortalecer a narrativa e prender a atenção do leitor além dos elementos acima é em minha opinião, a existência de um bom roteiro e a capacidade de explorar outros “mistérios” cronologicamente além de ressaltar o clima pesado, utilizar o tom sombrio e melancólico ao drama investigativo para realssar o aspecto existencial e dramático da trama. Nesse caso, vale salientar, por melhor que seja o ilustrador e a arte final sem um bom roteiro as HQs de detetive não funcionam. Escritores como Ed Brubaker, Greg Rucka, David Lapham, Brian Azzarelo, Warrem Ellis, Rick Rememder e muitos outros que poderia passar o dia citando aqui, nos ensinam que HQs onde o humano é o centro da história só funcionam com um bom roteiro isso é fato. Essa constatação é tão importante que Shirow Masamune com o seu Ghost in the Shell e Greg Rucka/ Steve Lieber em Whiteout chegaram a narrar suas histórias tendo uma mulher como o centro da narrativa. A personagem claramente não é a femme fatale desprotegida e necessitada de proteção ou não, mas a detetive que participa e conduz a solução da trama. O domínio e capacidade de prender a atenção do leitor nessas HQs são impressionantes e mostra que as histórias de detetives noir ou “pós noir/cor” demonstra elasticidade e capacidade de se reinventar, inovando e tornando-se cada vez melhores, não importando o sexo do personagem, mas a história e sua trama é o que vale.
Confesso que me inclino a ler quadrinhos em preto e branco do que coloridos, devido a herança dos filmes antigos e sem cores, minha memória afetiva dos filmes de detetive são em preto e branco. Infelizmente com o fim dos filmes noir na década de 50 tive como única opção as HQs que falavam sobre o tema e continuaram a herança cinematográfica. Aos poucos fui convencido tanto por filmes como Blade Runner, Coração Satânico como por HQs como, por exemplo, Criminals e Gotham: departamento de policia que a história de detetives pode inovar e se destacar no meio de tanta produção de fantasia, terror e ficção cientifica. Penso que sua capacidade de transitar por temas como esses leva as HQs de detetives a estarem mais atuais do que nunca. Podemos perceber que tanto nas Hqs, como no cinema, Rpg e Jogos eletrônicos temas de investigação são recorrentes e bastante populares, isso quer dizer que o tema não é ultrapassado ou fadado ao desuso mas seu conteúdo representacional continua ativo e bastante presente na cultura emotiva do publico. Nesse sentido, acho importante ressaltar que HQs de investigação centrada em um(a) detetive já anuncia que pode ser uma ótima história, pois para mim pelo menos, tenho sempre a inclinação de ler histórias em que o personagem seja apenas… um ser humano.
Renato de Medeiros Jota – É pesquisador em Quadrinhos