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Dez razões para escrever

Filosofo frances contemporaneo enumera razoes pelas quais escrever constitui parte de um repertorio civilizado.

*Roland Barthes

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Como a escrita não é uma atividade normativa ou científica, não posso dizer  por que  ou  para que se escreve. Só posso listar as razões pelas quais escrevo:

1) por uma necessidade de prazer que, como se sabe, está relacionada ao encanto erótico;

2) porque a escrita descentra a fala, o indivíduo, a pessoa, realiza um trabalho cuja origem é indiscernível;

3) colocar em prática um “dom”, realizar uma atividade diferenciada, fazer a diferença;

4) ser reconhecido, gratificado, amado, discutido, confirmado;

5) cumprir tarefas ideológicas ou contra-ideológicas;

6) obedecer às ordens estritas de uma tipologia secreta, de uma distribuição combativa, de uma avaliação  permanente;

7) agradar amigos e irritar inimigos;

8) contribuir para quebrar o sistema simbólico de nossa sociedade;

9) produzir novos significados, ou seja, novas forças, apreender as coisas de uma nova maneira, minar e mudar a subjugação dos sentidos;

10) por fim, e como resulta da deliberada multiplicidade e contradição destas razões, destruir a ideia, o ídolo, o fetiche da Determinação Única, da Causa (causalidade e «causa nobre»), e assim credenciar o superior valor de uma atividade pluralista, sem causalidade, propósito ou generalidade, como é o próprio texto.

O “ilegível” ou o “contra-ilegível” obviamente não podem constituir uma figura completa. Não podemos descrevê-lo ou mesmo desejá-lo; é apenas a afirmação de uma crítica radical do legível e de seus compromissos anteriores. Não somos mais obrigados a representar a escrita do que Marx a se dar ao trabalho de descrever a sociedade comunista ou Nietzsche a figura do super-homem. É revolucionária porque está ligada, não a outro regime político, mas a “outra forma de sentir, outra forma de pensar”.

Roland Barthes

Variações sobre a escrita

Corriere della Sera, 1969

Tradução: Enrique Folch González

Editora: Paidós

Foto: Roland Barthes, de Robert William Burke