*Roland Barthes
Como a escrita não é uma atividade normativa ou científica, não posso dizer por que ou para que se escreve. Só posso listar as razões pelas quais escrevo:
1) por uma necessidade de prazer que, como se sabe, está relacionada ao encanto erótico;
2) porque a escrita descentra a fala, o indivíduo, a pessoa, realiza um trabalho cuja origem é indiscernível;
3) colocar em prática um “dom”, realizar uma atividade diferenciada, fazer a diferença;
4) ser reconhecido, gratificado, amado, discutido, confirmado;
5) cumprir tarefas ideológicas ou contra-ideológicas;
6) obedecer às ordens estritas de uma tipologia secreta, de uma distribuição combativa, de uma avaliação permanente;
7) agradar amigos e irritar inimigos;
8) contribuir para quebrar o sistema simbólico de nossa sociedade;
9) produzir novos significados, ou seja, novas forças, apreender as coisas de uma nova maneira, minar e mudar a subjugação dos sentidos;
10) por fim, e como resulta da deliberada multiplicidade e contradição destas razões, destruir a ideia, o ídolo, o fetiche da Determinação Única, da Causa (causalidade e «causa nobre»), e assim credenciar o superior valor de uma atividade pluralista, sem causalidade, propósito ou generalidade, como é o próprio texto.
O “ilegível” ou o “contra-ilegível” obviamente não podem constituir uma figura completa. Não podemos descrevê-lo ou mesmo desejá-lo; é apenas a afirmação de uma crítica radical do legível e de seus compromissos anteriores. Não somos mais obrigados a representar a escrita do que Marx a se dar ao trabalho de descrever a sociedade comunista ou Nietzsche a figura do super-homem. É revolucionária porque está ligada, não a outro regime político, mas a “outra forma de sentir, outra forma de pensar”.
Roland Barthes
Variações sobre a escrita
Corriere della Sera, 1969
Tradução: Enrique Folch González
Editora: Paidós
Foto: Roland Barthes, de Robert William Burke