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Do Dito Pelo Não Dito

Fundador de Navegos, com seu senso de humor e sua mordacidade características, questiona a real localização da casa do poeta Ferreira Itajubá, a partir de declarações de Diógenes da Cunha Lima, do Baobá do Poeta e, pela primeira vez, torce para que Diógenes esteja correto.

*Franklin Jorge

[email protected],br

Como toda declaração do Filho de Nova Cruz, esta, em questão, merece ser agraciada pelo benefício da dúvida: o sobrado onde Diógenes da Cunha Lima diz ter nascido ou vivido o poeta homérico de Touros, Ferreira Itajubá, terá sido ali mesmo que o cantor de nossas dunas enluaradas nasceu e viveu?

Mais uma vez a coisa tem cara e jeito de patranha. O sobrado, apalacetado, aí está para impor a desconfiança. Como pode alguém a ponto de montar um circo no quintal de sua casa para ganhar algum tostão, viver em residência tão senhorial? Ali, no coração do bairro ribeirinho, que comportava o grande comercio da cidade, com as suas ruas e cafés apinhados de gente, daqui e de fora. Nesse circo de fundo de quintal, Itajubá era o bilheteiro, o palhaço, o trapezista, enfim, toda a trupe que visava subsidiar, de alguma prata, o artista.

Pelo nome, Ferreira, seria pelo sangue de família tradicional portuguesa, aqui chegada com a colonização da terra e a conversão do gentio que reverenciava, sob o nome de deuses, as forças da natureza. Um nome ilustre que deu um vice-rei às Filipinas, de quem muito se orgulhavam as velhas tias solteironas de Concita, que guardavam como relíquias, o penico de porcelana com tampa e um grande olho arregalado, pintado do fundo, pertencente, justamente, ao sr. vice-rei, seu antepassado, e ao Poeta da Corte, Antônio Ferreira, rival de Camões. Esse penico tão ilustre que atraía a minha curiosidade e me assustava aquele olho desmesurado, parecendo rir do que via. Jazia ao pé da cama de Concita Ferreira da Silva e sempre que a visitava, não reprimia o desejo de levantar a tampa do penico e ter a confirmação de que aquele olho cabotino ali estava, indormido, à espreita.

Há dois livros sobre o poeta. O primeiro, de José Bezerra Gomes; o segundo e até agora o último ensaio publicado sobre o autor, de Nilson Patriota, que reivindica para Touros sua naturalidade e suas raízes familiares. Um poeta descomunal como as forças da natureza, conforme capturou a acuidade cognitiva de Patriota, que não mistifica sua admiração por um poeta a quem Henrique Castriciano, desbaratador de seus ossos e corregedor poético, quis gramaticalizar seus versos naturais, e, dizem seus contemporâneos, teria estragado o estro com que Itajubá vira o mundo e interpretara seus mistérios.

“Mon dieu!”, que esteja o autor destas mal traçadas linhas redondamente enganado. Que Diógenes tenha acertado pelo menos esta, esta, esta…, depois do fiasco do conto que flagraria Sainte-Exupéry plantando, em Lagoa Seca, um Baobá, sim, esse baobá que entrou para a história provinciana, portanto exagerada, como ‘o ‘’Baobá do Poeta’’, com placa e tudo!

Não sei o que pensar do sobrado de Itajubá, antigamente no então ‘’coração da Ribeira’’, a rua x. Que me lembre, a casa onde nasceu Ferreira Itajubá, que minha avó me mostrava toda vez que descíamos ao bairro ribeirinho. Uma casa incaracterística, arquitetonicamente incaracterística, mais condizente com a real situação financeira do poeta que cantou as dunas resplandecentes sob o sol e cobertas pelos véus da noite, iluminadas pela luarada.

Vou rezar fervorosamente para que Diógenes não esteja enganado e ali esteja, de fato, a residência do nosso poeta homérico, segundo o dístico do estilista ático Edgar F. Barbosa. Não peço pelo Baobá, mas para o sobrado de Itajubá. Que essa descoberta esplendida valoriza o imóvel, sem dúvida. Um imóvel do causídico Cunha Lima, presidente da Academia de Letras, ex-reitor inócuo, como inócuo foi como Secretário de estado de Educação e Cultura do RN e Presidente da Fundação José Augusto. Como reitor, jactava-se de ser aquele bambam que Daria a Inácio de Magalhães Sena, Bispo de Taipu, um título reconhecendo-lhe o ‘’Notório Saber’’, foi dissuadido pelo Conselho Universitário. Como alguém pode ser esbanjador de tantas ideias inúteis, como faz Diógenes, agora tentando empurrar qualquer um que se proclame escritor para a Academia de Letras sem lastro.

Acomodado à velhice desde moço, tudo a volta de suas ideias tem pelo menos um palmo de pó, de bactérias mortas e amortalhadas de coisa-nenhuma. Tornou-se, como o bispo que queria crismar, uma figura do nosso folclore urbano.

 

Ferreira Itajubá.