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Do individualismo ao mal-estar contemporaneo

Acrianos se tornam Colaboradores de Navegos no mês em que a revista completa um ano de circulação ininterrupta. Aqui eles escrevem sobre uma das questões da Filosofia contemporânea.

Evandro Gonzaga Santiago [1] e Joelma Ferreira Franzini[2]

O período contemporâneo ou pós-moderno, como queiram, provoca transformações que geram grandes implicações sobre o emocional das pessoas. Joel Birman, em sua obra “Mal-estar na Atualidade: a psicanalise e as novas formas de subjetivação” de 1999, aponta para tais implicações ao abordar esse novo espaço íntimo do indivíduo. Segundo Birman, nas sociedades tradicionais, o homem se ajustava pelas instituições fortes e duradouras, e seus sistemas de regras, que proporcionava segurança e confiança. A contemporaneidade não oferece tais predicados, o homem contemporâneo estaria entregue a infindáveis opções e escolhas que desembocam em sensação de desamparo e angústia.

Khel (2002), argumenta que, diferentemente do mundo moderno e contemporâneo, o mundo medieval era regulado pela religião e fundamentado na onipotência divina, que sujeitava o homem de forma involuntária. O homem contemporâneo, rotulado como arrojado, centrado na razão e no discurso da ciência, tem por regulação o próprio eu, tencionando para um tipo de sujeição voluntária. O mundo medieval assentava de certa forma, uma possibilidade de localização do sujeito, pois especificava o que era aguardado de cada um, de acordo com sua origem.

Birman (1999), proclama o fato de os homens serem frágeis, finitos e mortais. Então para suportar sua própria insuficiência, os indivíduos precisam criar inúmeros artifícios que atenue o profundo desamparo que sente, do qual nem a modernidade nem a contemporaneidade foi capaz de lhe suprimir.

Na obra denominada “Arquivos do mal-estar e da resistência” de 2006, Birman acrescenta que a modernidade trouxe transformações tais a vida humana na terra que, inclusive, estabeleceu outras formas de servidão. No mundo medieval, regulado pela religião, era o sobrenatural divino que estabelecia um assujeitamento do homem de forma involuntária. Já o homem contemporâneo, situado na razão e na ciência, promove seu próprio assujeitamento, uma espécie de servidão voluntária. Birman credita tal transformação como produto do Estado Moderno.

Com o mundo globalizado e o avanço da tecnologia, cada vez mais o homem contemporâneo está a serviço de um tempo bastante acelerado onde a comunicação está por toda parte em todos os momentos. A internet e o celular remetem a um poder fascinante (e ao mesmo tempo ilusório) nunca visto anteriormente. Todas as informações e todas as distâncias estão resumidas a um clic. Contudo, na verdade, esses seres superpoderosos temem a intimidade, a incompreensão, a não aceitação.

Bauman (1998b) contribui com o pensamento de Birman, quando ele compreende que na contemporaneidade o indivíduo não está comprometido com o todo, fazendo escolhas que visam seu bem-estar individual, como se o mesmo tivesse autoridade incontestável. Nesse momento, a sociedade pós-moderna cria seus novos valores, perdendo seus valores anteriores.

Segundo Birman (2006), a pós-modernidade está passando por outros experimentos de mal-estar que se registram na cultura do corpo perfeito, sendo que o corpo é um dos sinais que mais causam esse mal-estar. As pessoas empenham-se numa busca desesperada por um corpo cada dia mais jovem, objetivando atender aos inatingíveis padrões vigentes.

Diz ainda Birman (2006), que a fixação pela eterna juventude contribui grandemente para um estado permanente de estresse, manifestado de diferentes maneiras: elevação da pressão arterial, aceleração cardíaca, síndrome do pânico, fadiga crônica entre outras coisas. Nesse contexto surge a busca exacerbada de tratamentos corporais que vai desde a simples massagem até as academias de ginástica, de a complementação alimentar com suplementos e vitaminas para combater o envelhecimento até os infindáveis processos cirúrgicos estéticos.

Nesse contexto, aparecem e prosperam casos como o do “Dr. Bumbum”, extremamente veiculado na mídia nacional, que realizava procedimentos cirúrgicos estéticos dentro de seu próprio apartamento, causando dor, deformidades e morte em mulheres (MENDONÇA; PIERRE, 2018, s/d). O que mais choca é que sua clientela se constituía por mulheres com razoável poder aquisitivo e certo nível de escolarização. Não se tratava simplesmente de pobres e ignorantes que aceitavam se submeter a tais procedimentos cirúrgicos dentro de um apartamento de propriedade privada do próprio cirurgião, e que tinha a mãe e a noiva por principais auxiliares. É a promessa de beleza rápida e fácil, que mata na pós-modernidade.

O ser humano não pode envelhecer e seu corpo não tem mais o direito de ficar flácido. As mães não podem ostentar suas estrias adquiridas inevitavelmente na maternidade. Os sinais do tempo e as marcas esculpidas naturalmente pela idade tornam-se símbolos da vergonha de quem “não se cuida”, ou “não se ama” o suficiente.

Outra característica desse mal-estar contemporâneo, apontada por Birman (2006), é a “hiperatividade” (excitabilidade elevada) que culmina por conduzir o indivíduo a agir sem pensar. Toda essa explosão imperiosa de atividade e produção incessante, colabora para respostas sempre mais agressivas e violentas e contribui para o aumento impulsivo do consumo de drogas lícitas e ilícitas, bem como, dos diferentes transtornos, como os alimentares (bulimia, anorexia e compulsão alimentar), dentre outros.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.

BIRMAN, Joel. O mal-estar na atualidade: a Psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

______. Arquivos do mal-estar e da resistência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

KEHL, Maria Rita. Sobre ética e psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MENDONÇA, Alba Valéria; PIERRE, Eduardo. G1, Rio de Janeiro, 18 jul. 2018, não paginado. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/07/18/o-que-se-sabe-do-caso-do-dr-bumbum.ghtml>. Acesso em: 20 ago. 2018.

[1] Graduado em Pedagogia e Graduado em Psicologia pela União Educacional do Norte-UNINORTE, em Rio Branco-Acre. Pós-graduado em Filosofia: ontologia, conhecimento e linguagem na história da Filosofia pela Universidade Federal do Acre-UFAC. Email: [email protected]

[2] Graduada em Pedagogia (1993), em Ciências Sociais (2008) e em Filosofia (2013) todos pela Universidade Federal do Acre-UFAC; Pós Graduada em Metodologia do Ensino Superior-UFAC (1994); Mestre em Desenvolvimento Regional (2016), UFAC. Pós-graduada em Filosofia (2018) e Ciência da Religião- UFAC (2019). Rio Branco-AC. E-mail:  [email protected]