*Flávio Machado
Na Pré-História o homem já desenhava sacanagens nas paredes das cavernas. Esta frase vai muito além do sentido literário ou da revelação histórica, compõe o manifesto(a) do movimento de poesia pornográfica que nasceu no Rio fechando o verão com as águas de março. Foi exportado para o resto do Brasil. Pelo topless literário! Esta foi a faixa – chave carregada em passeata pelas areias de Ipanema.
Outro marco o primeiro número da Gang, revista e cordelurbano lançada na Broadway carioca, no bar amarelinho, próximo a Câmara dos Vereadores e da Biblioteca Nacional, por Eduardo Kac e Cairo Trindade. As sextas-feiras na Candelária (Broadway), ocorre o ritual de iniciação e um grupo de poetas liderados por Eduardo e Cairo, acompanhados por uma pequena multidão, onde há analfabetos. Funcionários públicos, pivetes, operários, intelectuais, empregadas domésticas, como uma seleta e afinada torcida.
Sobre o fenômeno citou Heloisa Buarque de Holanda: “O problema social traduzido ao povo pela via Pornô”. Por sua vez a literatura teria conseguido enfim o que sempre sonhou, sair da pele da virgem mal tocada pela elite, e torna – se a dama da bandalha, amada e declamada em coro nas praças. E na praça o poema pornô reina e o público participa através de chamadas maliciosas, que são prontamente respondidas com palavrões berrados em coro ecoando nas ruas estreitas e nos ouvidos dos incrédulos. A poesia necessitava dessa sacudida, soltar o corpo, liberar o humor, a alegria, transgredir os muros das definições inúteis, andar de mãos dadas com o povo, falar não do povo, mas ser a sua voz. O movimento atravessa agora a fase da desmistificação, busca a linguagem mais próxima do ideal que nutre e partir para uma sociedade transformada e não tentar transformar- se para ser aceito.
O poema – pornô considera inaugurado os anos 80, e Cairo responde as insinuações de que o povo só se interessa pelo aspecto pornô: “Não importa, se o ingrediente melhora o doce, pode ser até veneno”. E o movimento pode ser explicado num poema de Franklin Jorge, em uma de suas propostas de colocar o poema nu e cru, revelar o que todos sabem, mas escondem: “Há alguma coisa acontecendo por debaixo dos panos”