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Dos diários da sala de aula

Um início de uma série sobre a educação nos moldes atuais. Uma série sem periodicidade regular. Nesse primeiro artigo, a educação enquanto espaço para mediocrizar.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

Perdoem-me a franqueza e o despudor, por favor. Mas meus 20 anos de sala de aula na rede estadual do Rio Grande do Norte, assim creio, me permitem ser grosseiro. Pela vivência e pela falta de paciência adquirida nessa rotina massacrante.

O ano letivo vai começar! Só de ouvir isso me dá uma canseira e um desânimo infelizes. Sabe aquele emprego em que você tem a certeza da mediocridade? É isso.

A educação não era assim. Tornaram-na assim.

Eu sei que esse texto é pesado, tem tudo para ser, por isso irei citar um nome para desanuviar. Paulo Freire.

Pronto. Ao menos agora podem cair no riso e dizer: ah, esse professor faz oração para pneu e contata alienígenas pelo celular!. Se isso serve para confortar, tudo bem.

Mas vamos a minha experiência. Afinal, são 20 anos…

No primeiro mês em que pisei em uma sala de aula da rede pública estadual do Rio Grande do Norte, eu era bem jovem. Muito sonhador. Votava no Partido dos Trabalhadores e achava que o problema do mundo era a divisão de classes (ainda acho, mas com mudanças fundamentais).

Eu tinha uma turma do Ensino Médio e passei para eles uma redação. Ao chegar em casa, fui corrigi-las. Eu não acreditei no que li. Havia palavras como chícara, caxorro, xapeu. Parágrafos que não eram concluídos, frases soltas.

Turma de pré-vestibular.

Não pude corrigir. Não era possível. Como estudantes daquele ano escreviam assim?

Fui falar com a coordenação.

É assim mesmo, professor. O senhor não precisa apontar os erros. Eles descobrirão por conta própria. Seu dever é apenas ser um mediador.

Mas entenda, eles estão no Terceiro ano…

Ao final do ano, os mesmos alunos estavam escrevendo e lendo do mesmo jeito. Alguns passaram na UFRN…

Ao longo desses anos, nada mudou.

Ano após ano, caros navegantes, é desse jeito. Nós formamos gente iletrada. Gente que não sabe ler e nem escrever.

Com o passar dos anos, parece piada pronta, mas a justificativa para esse medíocre circo de horrores foi mudando. Hoje, é preconceito linguístico cobrar uma escrita correta. Estou falando sério.

Sabe como chegamos a esse ponto?

Militância.

A sala de aula se tornou um palco para palanques. Vejam o CONAE 2024.

Foram chamados representantes de movimentos sociais: LGBTQIAPN+, movimento quilombola, movimento indígena, movimento negro, movimento feminista, CUT, MST. Assistam aos discursos desse pessoal. Leiam a cartilha que saiu dessa conferência, em outro artigo farei algumas considerações sobre ela.

Mas já posso adiantar que a palavra matemática aparece 7 vezes; a palavra sexualidade mais de 30 vezes. Isso diz muita coisa. Diz o que se quer da educação.

Já estamos assim desde antes de 2004, ano em que iniciei como professor do Estado e nada muda para a melhor, é só mazela!

Vocês sabiam que muitas universidades estão abrindo cadeiras em seus cursos de engenharia, de matemática básica, porque os calouros não sabem álgebra? Pesquisem na net. Isso é só um exemplo dos alunos que ano após ano formamos.

Essa ideologia, a de esquerda, não está nem aí para educação. Educação é conscientização. Mas é duplamente falso.

Como se tem conscientização se não sabem ler e escrever corretamente, de que tipo de conscientização se fala? E outra, boa parte dos discentes não está nem aí para a militância.

Ou seja, se agrada a uma minoria enquanto a asnice impera na maioria.

E os alunos sabem disso. Eles conhecem alguns mecanismos da nossa atual educação. Por exemplo, a progressão continuada.

É assim.

O aluno ficou em até três disciplinas (em algumas escolas são quatro, outras duas), ele não repete o ano. Não. Isso seria até fascismo e desestimularia o aluno! Simplesmente o aluno vai para a série seguinte!

Olha, isso é de uma tristeza enlouquecedora!

Na série seguinte, o aluno, além das disciplinas tradicionais daquele ano, estudará as três matérias em que ele reprovou! Que fantasia é essa? Em que turno ele vai pagar dependência? No turno da tarde, caso ele estude à noite e vice-versa. E se o aluno trabalhar? Passa trabalho e fim de papo.

Os alunos frequentam o turno em que deveriam pagar a dependência? Não.

O que ocorre?

Ocorre um pacto de silêncio de ambas as partes.

Mas continuemos.

E se o aluno continuar a reprovar nessa nova série. Por exemplo, ele ficou em três disciplinas no Primeiro ano do Ensino Médio; e foi para o Segundo ano; no Segundo ano ele continuou reprovando, vai para o Terceiro ano devendo essas disciplinas. E se, no final do ano, ele ainda não conseguir ser aprovado? Segue diálogo cabuloso, que testemunhei várias vezes e ocorre com todos os professores ano após ano:

Professor, passe logo esse aluno! Se o senhor não passá-lo, ele vai na Secretaria de Educação, ligam pra gente e a gente vai ter que fazer mesmo, e passá-lo.

Mas ele não conseguiu a média necessária! (falando em média necessária para a aprovação, o CONAE 2024 questiona o modelo prova para aprovar ou desaprovar).

E daí? Se a escola tiver um índice alto de reprovação, não recebe verba suficiente! Aprove!

E assim, os índices bons para o governo aumentam!

Percebem como o sistema nos prende e nos torna medíocres? A sala de aula não é para o ensino-aprendizagem. É para perder tempo com nulidades.

Isso será aprofundado pelo CONAE 2024. A educação para essa turma que está no poder é apenas uma questão de inclusão militante. Escrever bem, ler bons livros, isso não passa pelo PNE.

A prova?

20 anos de sala de aula da rede pública estadual e ano após ano presencio esse circo de horrores. Desestimulante. Estressante. Banal.

Não é brincadeira.

Nós não formamos ninguém. Os alunos entram chícara e saem xapeu.