*Franklin Jorge
Escreveu Jayme Hipólito Dantas, há mais de 30 anos, quando de sua colaboração na “Tribuna do Norte”, que o intelectual norte-rio-grandense é despolitizado e não se toca sobre o que acontece ao seu redor. Geralmente pobre de espírito e sobrecarregado de interesses comezinhos, vive e sobrevive sem projeção de futuro e sem se conscientizar do papel que lhe cabe nesse fútil pastoril de nulidades que dançam conforme a música.
Ele reclamava com justa razão da sua ausência nos debates, o que faz dele [do intelectual norte-rio-grandense em geral, digamos assim, um não-cidadão. No mínimo, para sermos gentis, um apático – quando não um serviçal incubado ou declarado do oficialismo que vive de ostentação e aparência, sem se importar com as futuras gerações e sem deixar-nos bons exemplos.
Alienado do dever de atuar em defesa da coletividade e dos direitos fundamentais do ser humano que transcendem ideologias e partidos de mão única, dependente e anestesiado por benesses proporcionadas pelo estado, o nosso intelectual padrão caracteriza-se por um absenteísmo muito próximo da caricatura que se costuma fazer dos poetas, como seres ausentes ou vivendo no mundo da lua. A maioria não fede nem cheira, não influi nem contribui – como se vê entre os senhores que ocupam, por exemplo, o Conselho Estadual de Cultura, um colegiado sem nenhuma expressão, composto por pessoas sem obras, completamente desconhecidas, mesmo no âmbito da cultura local que se caracteriza, por sua vez, por um provincianismo crônico.
Creio que, além de expressar a sua grande perspicácia, como excepcional crítico que era, da cultura, Jayme Hipólito Dantas deu-nos prova também de uma profunda compaixão diante de tamanha falta de espírito dos nossos intelectuais orgânicos mais afeiçoados aos coquetéis do que ao trabalho duro que requer a produção cultural séria e meditada. Dou um doce para quem me trouxer obra válida de qualquer um desses artistas da vaidade e da inoperância que saltiteiam em torno das bandejas de uísque e dos salgadinhos sempre com um sorriso incrustrado no rosto.
Além disso há os que extrapolam, travestindo-se de articulistas e sequestrando a página 2 dos nossos jornais, antes destinadas, por tradição, às ideias que faltam a atual caterva de colaboradores, em sua maioria constituída de compiladores de anedotários que nunca leram uma obra séria e evidentemente nada têm a dizer ao leitor que deseja mais do que o jornal lhe pode dar em conhecimento e qualidade de informação.
Não admira que o leitor esteja migrando para outros meios, como a Internet, por exemplo, que está se tornando o espaço ideal para a democratização do bom jornalismo – o jornalismo de autor, ou seja, daquela espécie de jornalismo que está desertando do jornalismo impresso. É verdade que também há na rede os picaretas e os aproveitadores de toda categoria e matiz.
Algumas páginas 2 dos nossos jornais estão se transformando em escoadouros da maledicência e da frustração de muitos dos nossos chamados intelectuais que, incensados por seus camaradas, chegam ao fim da vida com a incômoda suspeita de que são menos do que os tais amigos lhes fizeram pensar que fossem, geralmente com o esbanjamento da verba pública. Daí esse afã, esse desespero exibicionista que só não é de todo inútil porque vem permeado de uma grossa cobertura de ridículo que faz rir ao leitor mais exigente e intelectualizado.
Quem compra o jornal, sente-se frustrado ao deparar-se com a má qualidade do articulismo político e literário que nos tem sido imposto e servido sem critério, sob a forma de efusões calhordas, sem forma nem substância que justifiquem o emprego de tinta e papel. Cadê Edgar Barbosa, Berilo Wanderley, Jarbas Martins, Câmara Cascudo, Myriam Coeli, Jayme Hipólito, Dorian Jorge Freire, Newton Navarro, Nilson Patriota, Manuel Barbosa, Sebastião Carvalho, Emanoel Barreto, Adriano de Souza, João Batista de Morais Neto, Márcio de Lima Dantas, Marize de Castro…, em que galáxia se esconderam?
[2004]