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Dos nossos intelectuais

Navegos descobre velho escrito de seu fundador, produzido em uma época em que a cidade de Natal tinha cinco jornais em circulação diária e semanal, sobre a abstinência dos nossos intelectuais em relação ao debate político, um tema considerado tabu para muitos.

*Franklin Jorge

Escreveu Jayme Hipólito Dantas, quando de sua colaboração na “Tribuna do Norte”, que o intelectual norte-rio-grandense é despolitizado e não se toca sobre o que acontece ao seu redor. Ele reclamava com justa razão da sua ausência nos debates, o que faz dele [do intelectual norte-rio-grandense em geral], digamos assim, um não-cidadão. No mínimo, um apático – quando não um serviçal incubado ou declarado do oficialismo.

Alienado do dever de atuar em defesa da coletividade, dependente e anestesiado por benesses proporcionadas pelo estado, o nosso intelectual padrão caracteriza-se por um absenteísmo muito próximo da caricatura que se costuma fazer dos poetas, como seres ausentes ou vivendo no mundo da lua. A maioria não fede nem cheira, não influi nem contribui – como se vê entre os senhores que ocupam, por exemplo, o Conselho Estadual de Cultura, um colegiado sem nenhuma expressão, composto por pessoas sem obras, completamente desconhecidas, mesmo no âmbito da cultura local que se caracteriza, por sua vez, por um provincianismo crônico.

Creio que, além de expressar a sua grande perspicácia, como excepcional crítico que era, da cultura, Jayme Hipólito Dantas deu-nos prova também de uma profunda compaixão diante de tamanha falta de espírito dos nossos intelectuais orgânicos mais afeiçoados aos coquetéis do que ao trabalho duro que requer a produção cultural séria e meditada. Dou um doce para quem me trouxer obra válida de qualquer um desses artistas da vaidade e da inoperância que saltiteiam em torno das bandejas de uísque e dos salgadinhos.

Além disso há os que extrapolam, travestindo-se de articulistas e seqüestrando a página 2 dos nossos jornais, antes destinadas, por tradição, às idéias que faltam a atual caterva de colaboradores, em sua maioria constituída de compiladores de anedotários que nunca leram uma obra séria e evidentemente nada têm a dizer ao leitor que deseja mais do que o jornal lhe pode dar em conhecimento e qualidade de informação.

Não admira que o leitor esteja migrando para outros meios, como a Internet, por exemplo, que está se tornando o espaço ideal para a democratização do bom jornalismo – o jornalismo de autor, ou seja, daquela espécie de jornalismo que está desertando do jornalismo impresso. É verdade que também há na rede os picaretas e os aproveitadores de toda categoria e matiz.

Algumas páginas 2 dos nossos jornais estão se transformando em escoadouros da maledicência e da frustração de muitos dos nossos chamados intelectuais que, incensados por seus camaradas, chegam ao fim da vida com a incômoda suspeita de que são menos do que os tais amigos lhes fizeram pensar que fossem, geralmente com o esbanjamento da verba pública. Daí esse afã, esse desespero exibicionista que só não é de todo inútil porque vem permeado de uma grossa cobertura de ridículo que faz rir ao leitor mais exigente e intelectualizado.

Quem compra o jornal, sente-se frustrado ao deparar-se com a má qualidade do articulismo político e literário que nos tem sido imposto e servido sem critério, sob a forma de efusões calhordas, sem forma nem substância que justifiquem o emprego de tinta e papel.

ESCRITO DEPOIS – Passados tantos anos, quase duas décadas, o cenário não mudou muito. Continuam pontificando os serejos da vida.