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O que gêneros musicais têm a ver com o tom de pele e a indústria? O que algoritmos têm a ver com a ditadura da beleza e, novamente, com o tom de pele e a indústria? Alexsandro Alves tenta organizar algumas ideias que lhe inquietam e se sentam ao seu lado, fitando-o. 

*Alexsandro Alves

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O rock and roll é um gênero de música que se adaptou bem ao consumismo gerenciado pela sede do capitalismo. O gênero surgiu entre os negros estadunidenses, a partir blues. Em seu início foi um gênero controverso, do submundo da música e mesmo da indústria.

Mas a música se espalhou entre os jovens e a indústria não viu outra opção senão absorver o estilo.

Porém, com uma condição: embranquecer o gênero. Elvis, Rolling Stones, Beatles, Janis Joplin, tomaram de assalto o gênero que em sua gênesis era afro.

O mesmo ocorreu no Brasil. Legião Urbana, Capital Inicial, Ira, Titãs, algumas composições de Roberto Carlos, Rita Lee. Brancos.

Na década de 90, no Brasil, estourava nas rádios, oriunda da Bahia, a axé music. Bandas e intérpretes pipocavam nas rádios e nos shows de auditório, como o Cassino do Chacrinha. Além da falta de noção no nome (uma palavra africana que ninguém sabia o significado junto a um termo em inglês), os seus expoentes eram majoritariamente baianos, porém brancos.

Havia a Banda Reflexus, que por sua música mais contestadora, desapareceu prematuramente. Sim, os temas das canções deveriam falar de carnaval, festa, verão, ou então, temas que hoje poderiam ser racistas, como a famosa nêga do cabelo duro. Em outras palavras, não era para ser levado a sério. Era para curtir.

A indústria do consomo não é branca apenas por ser dirigida por pessoas brancas. Ela também embranquece o que é negro. Parece que para vender, para ser vendável, precisa parecer com pó de arroz.

Nos softwares das redes sociais isso também ocorre. É indústria, por fim.

Basta ver as fotos. As fotos de indivíduos comuns. Não existe truque tecnológico para enegrecer a pele. Mas há maneiras mil de se embranquecê-la. Já foi falado, inclusive, de um algoritmo racial nas redes sociais como Twitter e Instagram.

Me parece que estamos chegando a um ponto insuportável de artificialidade. Explico. Tem a ver com assunto.

Vi uma live a alguns dias atrás. O filtro que se usava era tão incrivelmente embranquecedor, que chapava a expressão facial. Parecia que a pessoa em questão não tinha uma face humana, como se sua face fosse uma porcelana produzida em escala industrial, artificiosamente perfeita. Deu tédio.

Tédio daquela beleza tão absurdamente perfeita e chapada. É por isso que quando vejo lives em redes sociais, apenas escuto, viro o celular para não cansar, visualmente falando.

Qual a graça nisso? Eu não consigo compreender a negação das marcas e a negação da feiura. Se ao menos fosse uma operação plástica. Tudo bem, algo permanente, ao menos mais permanente. Porém, assim que a magia do software do Instagram for desligada, aquele maravilhoso espelho da feiura retorna. É a vida. A vida que se nega no algoritmo que embranquece.

O pior é que fica feio. Mas fica branco também, então é uma feiura aceitável. Desejada mesmo. Perde-se a naturalidade pela tecnologia. Não havia humanidade. Se assemelhava a uma boneca. Um brinquedinho.

Eu não utilizo filtros. Não dá para mim, onde eu estou? O que eu sou? Onde está a minha feiura? As minhas marcas, minhas rugas, todas as minhas dores? Porque até o sentimento se torna branquinho, light, soft, fofo!

Eu não sou a tecnologia.

Eu imagino que o humano pode ser pensado em termos naturais e biológicos, e também sociais e culturais. Todavia, hoje se pensa o humano em termos tecnológicos.

E isso implica um aumento exponencial da fugacidade, frivolidade e aparência. E uma perda de humanidade.

Esvaziamento.