*Gilberto Mendonça Teles
A poesia mostra ao homem outros sentidos da existência, integra-o na plenitude da sua cultura, dá ênfase ao visível e escancara as janelas do invisível, amplia, portanto, o seu universo e lhe restitui a ilusão de sua divindade, uma vez que lhe dá o poder da criação através da linguagem. Ela tem a força natural dos álibis – que apontam para um e, ao mesmo tempo, para outro lugar, quase sempre utópico; e tem, como a Sibila, o poder encantatório de nos fazer jogar com o sobrenatural. É por isso que os tiranos de todos os tempos e lugares temem os poetas e a poesia. E não é à toa que para Hölderlin ela é ao mesmo tempo a mais inocente das ocupações e o mais perigoso de todos os bens.
À LINHA – D’ÁGUA
Visível enquanto invisível,
compõe seu ritmo avergoado:
a imagem se imprime no nível
do que está deste e do outro lado.
Por sob a carga o sonho e o medo
de haver perdido e haver ganhado:
no contrabando do segredo
o contrapeso do sagrado.
E o que ficou quase perdido
(o que me deixa envergonhado)
ainda viaja sem sentido,
meio à deriva,
e bem calado.
(Gilberto Mendonça Teles, Rio de Janeiro, 1986).