*Pedro Otávio de Oliveira
Mais uma noite de sono perdida, lembrei-me aqui da falta que Navegos fará aos seus leitores, dispersos por vários lugares do globo.
Suplemento literário, artístico e cultural de alto quilate, do qual Franklin Jorge, remanescente do jornalismo de qualidade do Rio Grande do Norte, é mantenedor, encerrará suas atividades no próximo dia 30. Convivo com FJ e vejo de perto o seu empenho e entusiasmo – ultimamente bem gasto – com a edição de uma revista, para a qual já escrevi algumas vezes, que, construída sob a égide da literatura, fala de política, educação, esportes.
Navegos vai além de uma plataforma online que difunde conhecimento entre seus leitores. Esta revista é uma ramificação, por exemplo, do Instituto Franklin Jorge, que, embora seja uma ideia sem sucesso, tem a finalidade de promover publicações de livros (alguns já publicados com o selo Feedback) e oficinas de escrita proficiente e incentivo à leitura, além de organizar e possibilitar o acesso ao acervo do jornalista Franklin Jorge, construído no decurso de 50 anos de caminhada profissional.
Com um pendor para as letras cultivado por sua avó, uma contumaz leitora que morava no Estevão, comunidade rural onde cresceu em Assu, Franklin Jorge nunca desistiu de seus projetos e empreendimentos em favor da cultura norte-rio-grandense. Algumas vezes mal compreendido pelo seu apuradíssimo senso crítico ou pela sua honestidade inegociável, o jornalista veterano diz-se frustrado atualmente com o rumo que a manutenção cultural de Natal tomou com os últimos anos.
Durante meio século de atuação literária no Brasil – ele tem a glória de alcançar este patamar porque manteve contato com importantes autores nacionais -, FJ trabalhou no Rio de Janeiro, em Rio Branco, Goiânia, Mossoró, Natal. Trocou conhecimento com Thiago de Mello, Cora Coralina, Bernardo Élis, Jorge Amado, Zélia Gattai, Myriam Coeli, Leila Míccolis, Walmir Ayala, Luís da Câmara Cascudo, Antônio Carlos Villaça, Ascendino Leite e Ferreira Gullar.
Nos anos 1970, Franklin Jorge foi o responsável por introduzir nas colunas de produção do Rio Grande do Norte o New Journalism, conhecido atualmente como Jornalismo Literário, que era praticado até então somente nos Estados Unidos por Truman Capote, Gay Talese. Foi aí, por exemplo, que Dr. Américo de Oliveira Costa atribuiu a ele a criação do gênero entrevista-ensaio ao dar voz aos anônimos.
Além das letras, mexeu com pincéis e tintas também. Foi pintor e desenhista até, acredito, os anos 1990. Ontem mesmo, organizando uns livros, encontrei as gravuras que ele fizera para ilustrar um dos livros de sua sempre lembrada amiga Maria Eugênia (Gena) Montenegro.
Privado de condições materiais que favoreçam a difusão de sua atávica vocação para a escrita, como muitos autores Brasil afora, Franklin Jorge tem mais de cinquenta livros inéditos para a publicação. Sem a oportunidade de editá-los por meio de uma lei de incentivo fiscal ou outra organização para este fim, não sabemos quando nem como teremos acesso a estes trabalhos.
Enalteço aqui as virtudes de Franklin Jorge para justificar porque Navegos não pode se calar nem cerrar os seus olhos. O site continuará disponível até o término do contrato com a plataforma que o põe no ar. Depois disso, sai de cena uma das maiores referências jornalísticas do Estado, e importantes textos desaparecerão do nosso alcance.
Ensaiando o encerramento de suas atividades, sem expectativas prazerosas do que sempre gostou de fazer, Franklin diz que deixará de escrever para dedicar-se ao cultivo de seu jardim e de sua horta. Parece que não temos muito o que fazer, senão lutar e buscar meios para que isto não aconteça. Mas, e se Navegos parar?