*Alexsandro Alves
Eu sempre digo que encontrar um livro que preencha nossa vida com significado novo é uma benção e por autores assim devemos ter muita consideração. Um livro bem escrito não engana o leitor. Como um livro pode enganar o leitor? Dando menos do que a capa vende. Claro que em tempos como o nosso uma capa, uma imagem bem feita pode engana muitos; nalgumas vezes temos a m[a sorte de encarar um livro difícil, mas não porque literariamente difícil, Ulisses é difícil, nesse sentido, para mim; mas quando digo difícil me refiro a livros piegas; há autores que não conseguem passar da casca, quando muito, repetem chavões e palavras de ordem inúteis.
O Brasil está lotado de gente assim; de escritores que erguem bandeiras mas sequer são capazes de propor algo novo dentro dessas bandeiras, apenas repetem, tais quais animais em um circo, o que sabem que a plateia aplaudirá…
Foi numa noite auspiciosa, sem querer, que encontrei a autora Leila Tabosa. Ela conversava sobre seu livro, falando como que em um palco, olhava para frente, com nariz empinado e maneiras de atriz. Ela falava de seu livro como uma mulher madura, mas parecia que brincava com o que dizia, as coisas terríveis que escrevera em seu livro, comentava com muita força e verdade. Mas também com aquele aspecto que notamos nas pessoas que não apenas sentem o que escrevem, mas foram marcadas na carne de alguma maneira. E aí pode residir um problema bem específico que muitos não superam, se afogam em si mesmos.
Colocar nossas dores reais em nossa escrita é uma tarefa complicada. Porque podemos escorregar na autocomiseração ou mesmo entupir o leitor de um indigesto sabor de pieguismo barato.
Eu fiquei muito curioso em saber mais sobre seu livro, mas não lhe perguntei muito, no íntimo dizia: “amanhã eu comprarei!” O livro se chama Ela nasceu lilás e outras mulheres (Mossoró/RN, Editora Podes, 2024). Antes de comprar resolvi ler algumas páginas, daquele jeito, uma aqui e outra ali. Mas acabei lendo o primeiro conto inteiro e segui mais ou menos até a pagina 51, ou seja, cinco contos lidos de uma só vez, sem parar. O que me surpreendeu nesse livro? O que que me fez parar e ler em sequencia cada conto que se apresentava diante de minha grande surpresa? A resposta é: autenticidade e estilo.
Não é todos os dias que recebemos socos de realidade tão bem deferidos e sem pieguismo, sem que nosso espírito seja levado a um vale de lágrimas secas de qualquer verdade, nós não nós no estômago.
O livro é uma série de contos, 16, em que são narrados o cotidiano de mulheres, moças e meninas; estas personagens caminham em um sem muitas expectativas e violento, desde mesmo antes do nascimento. A autora recria um exímia violência cada detalhe de um conto de horror real. Isso é impressionante. Em muito momentos, a autora parece nem se importar com tanta violência, é porque as agressões podem anestesiar? mas também podem despertar. Nesses contos há mulheres anestesiadas e despertas; há meninas às voltas com homens que lhes dão presentes, sem exigir quase nada em troca.
A autora é sútil em certos lugares. Ela permite que nossa cabeça trabalhe e complete o futuro de suas personagens (Meninas de feira); em outros, eu não acreditei de imediato no que li: “isso é metafórico, claro!”, porém a autora…: “não é metáfora, é merda mesmo!” (Meiota).
Outro ponto positivo na escrita da autora, é que ela não se deixa seduzir pelo esquema panfletário. Pode ser difícil afirmar isso, já pela capa do livro, porém o que quero dizer é que esses contos, com essas personagens, nos falam mais do que apenas gritos de protesto. O livro é feminista, sem dúvida. Mas não joga na cara frases feitas e palavras de ordem, suas personagens são humanas e nos transmitem, com dores e violência, o peso de um grande drama humano. E isso é fazer política sem esquecer a literatura. Escrever literatura não é denúncia jornalística.
E nós sentimos a verdade de uma causa política exatamente quando ela não é gritada na nossa cara. Quando dialoga com a razão. Muitas das páginas de Leila Tabosa contêm um nível mínimo de sentimento aparente; a criadora parece impassível diante de suas criaturas.
Ela deixa a indignação não estampada com palavra, mas desenhada nas entrelinhas, em silêncio; como que conduzindo o leitor pacientemente. A cada conto, nos indignamos, nos surpreendemos; mas não porque a palavra “indignação” faça parte do texto. Mas porque essas personagens não reclamam. São inocentes! Com todo o sofrimento e injúria sociais que atravessam, mesmo quando a Vó reclama, em Vestido Azul, a humanidade da situação corta o tecido social e a crítica subjacente e nós, num movimento dialético, fazemos a crítica que a personagem ensaia ou fala com suas poucas capacidades de mulher simples e pobre.
A autora, manejando a palavra, nos coloca como cúmplices dessa realidade em vários níveis. Foram leituras de alto nível literário e humano, acompanhadas de reflexões sociais bem conduzidas pela autora. Ela nasceu lilás e outras mulheres é um livro violento e encantador.
As três fotos abaixo são de Daiany Dantas: