*Franklin Jorge
Como consegue conciliar sua vida profissional na área da Saúde e o trabalho artístico?
Se você se refere ao trabalho convencional: plantão hospitalar x teatro, diria que, de forma distinta, porém interligada, sou o resultado de tudo isso. Minha visão do teatro é sacerdotal, assim como também o servir. Eu sou um servidor e tanto na arte quanto na vida cotidiana procuro aprender a cada dia. Vou absorvendo cenas, personagens, corpo, voz, elemento de composição nessas pessoas que procuram o hospital. Cada uma com suas cores suas texturas. É um campo fértil e vasto para a criação do artista. Em caminho oposto trago para o trabalho cotidiano a leveza, a consciência e a disciplina do ator. Isto me permite transitar pelos dois caminhos e sobreviver aos dramas diários com tranquilidade.
Você parece reviver, em vários municípios do Agreste potiguar, um gênero de teatro que na Idade Média era chamado de Autos Sacramentales ou Milagres…
(Risos) não sei o que você quer dizer com Autos Sacramentales e Milagres medievais, porém viver de arte nesse país é um milagre cotidiano. Apesar de que para a arte e cultura, esse momento político onde se censura clássicos da literatura e se atacam os artistas por ideologia política, creio que nos encontramos, não na época medieval, mais um.período mais sombrio da história. Porém, sim, conseguir produzir com os parcos recursos, entregar para o publico um espetáculo honesto e coerente, onde cada espectador consegue se ver como personagem, é um milagre. Um milagre da arte, sim. Se um dia os milagres aconteciam dentro das igrejas, hoje apenas a arte parece capaz de operar milagres. De mudar. De transpor os muros do confortável para mergulhar o homem na inquietude questionadora do quem sou, qual meu papel e como mudar, para melhor, tudo isto que está aí. E isto tanto faz se estamos em São José de Mipibu, Barcelona ou Paris. Sempre foi papel da arte questionar e tentar modificar a cena. Então o milagre medieval revive todos os dias, em todos os recantos onde existe arte e cultura popular. Através dos artistas e mestres de cultura.
De onde vem sua inspiração?
A inspiração vem das experiências vividas. Eu quando criança, morei, habite, no sítio cabaço. Uma comunidade rural onde não se tinha praticamente nada. Porém tínhamos uma família vasta: tios, primos, avós, bisavós e um terraço onde nas noites de luar se transformava em palco para as cantorias, conotações de causos, leituras de livretos de cordel, brincadeiras de roda. Nesse espaço convivíamos harmoniosamente tanto adultos quanto jovens e crianças. Parecíamos polidos senhores, que sabiam ouvir, opinar e respeitar o momento do outro. Ali naquele terraço onde se debulhavam as safras dos mais diversos grãos ao som harmonioso e perturbador das varas, retirando as vagens secas do feijão, da fava, é demais grãos, a noite nos tornávamos artistas. E todos éramos artistas e plateia. Os adultos, em sua maioria analfabetos, encantavam-se orgulhosos do novos que sabiam ler recitando cordéis ou lendo histórias. Estes por sua vez, hipnotizados eram pela força da oralidade dos velhos que contavam suas histórias de Trancoso cheias de princesas, monstros, jovens guerreiros valentes e apaixonados. Então inspirar-se é identificar no hoje as lembranças remotas e trazer para o presente de forma lapidada. Vem daí a inspiração. Do que te tornou ser. Do que te tornou homem. Vem da saudade, do amor, do amar aliado a uma ação de tempo e espaço que de certa forma te transporta para o momento exato da criação.
Que nossos artistas podem fazer para aprimorar e profissionalizar sua prática?
Respeitar. Respeitar-se enquanto cidadão, enquanto indivíduo, mas principalmente, adquirindo a consciência do ser coletivo que é. A melhor matéria de pesquisa e o próprio artista e seu habitat. O ambiente que o formou traz todas as informações necessárias para que o artista aprimore sua arte e a faça de forma consistente. Não tem como o artista se tornar o diferencial se ele antes de conhecer a arte que é sua essência, procurar entender a arte alheia. Não, jamais conseguirá entender essa se não inteirar-se antes. O artista precisa respeitar o colega, incentivá-lo a buscar e aproximar-se na sua pesquisa pessoal e estimula-lo a se atirar o mais profundo nessa compreensão do que é e qual o seu papel. Sem inveja, sem receio e sem egoísmos. O artista é antes de tudo um autodidata. A escola deveria ser tão somente um curso organizacional onde este aprenderá a organizar as coisas, porém o SABER já nasce. Ele já traz isso de outros universos, a arte é a única bagagem que é permitida à alma trazer para o plano físico.
Para que tem servido a chamada “Economia Criativa”, tão propalada por nossos gestores culturais, ou tudo não passa de mais um modismo globalista?
Sinceramente? Serve para divulgar aquilo que os gestores do momento pretendem divulgar. Ideias, pensamentos, nem sempre artísticos. Nem sempre culturais. O problema a meu ver não está na proposta em si, mas em que tem acesso a isso. Lembro que nos anos 80 e início dos 90’s eu fazia produção de um grupo de teatro dirigido p3lo saudoso diretor Costa Filho e nos conseguíamos realizar todos os fins de semana espetáculo no teatro Alberto Maranhão com a casa lotada. Muitas vezes fazíamos sessão extra. É 5udo era simples. Não havia as leis de incentivo à Cultura mas conseguíamos produzir. Hoje o teatro principalmente tem dificuldades tremendas. Quem não está nas bolhas dos que monopolizam os mecanismos de financiamento, quem não tem conhecimentos no meio empresarial, ou quem não se permite a prática de trocas de favores, não consegue aprovar projetos, captar recursos. Eu falo isso não por experiência própria, mais de relatos de alguns amigos que lutam e tentam patrocínios para mostrar sua arte através desses editais e leis de incentivo. Então no fim a economia criativa não é algo acessível para quem cria, mas para burocratas que sabem interpretar as lacunas que se escondem entre o texto de seus mecanismos. O artista, o artista mesmo, está mais preocupado em levar sua arte a todos então é comum não saber interpretar essas brechas e geralmente se perdem.pelo caminho. Não acredito ser uma moda passageira, então cabe ao artista estudar seus mecanismos ou contratar alguém que o faça. Só assim para conseguir algo por aí. O resto roda chapéu na praça.
Que mudaria em nossa “cultura oficial”?
Os gestores. Tiraria dos altos comando apadrinhados políticos. Sumariamente. Colocaria ali artistas com trabalho apresentado, não em salões e rodas sociais, mas nas rodas dos terreiros, nos palcos das ruas onde se forma o artista. Aniquilaria os cargos ocupados por teóricos para substituir por concretos realizadores. Que conhecem as dificuldades de acesso, de chegada e saída. De logística e processo de montagem e suas engrenagens. Só assim, quando a arte for gerida por artistas, funcionará para o artista. Tivemos há algum tempo atrás no teatro Sandoval Vanderlei o bailarino Dimas Carlos como diretor. Este cara fez uma revolução. Dividiu o porão do teatro onde uma vez por semana a orquestra sinfônica ensaiava, e servia apenas para isso e o transformou em uma comunidade formada e gerida por grupos de teatro. Ali se formou atores, diretores, e grupos que até hoje atuam e vivem do teatro. Porém, como todo trabalho que dá resultado alguém busca acabar… Hoje o teatro está totalmente abandonado e a gestão municipal vendeu o terreno para uma empresa paulista construir o shopping center. O Alecrim perde o teatro, os artistas perdem um espaço de trabalho e a população o direito de acesso à arte é a cultura. Eu se gestor fosse criaria uma lei onde cada centro comercial com mais de 50 lojas obrigatoriamente deveria destinar espaço para um teatro, uma concha acústica, onde as pessoas pudessem ter acesso. Promoveria artistas e grupos locais com pautas, com valores condizentes com a realidade local e traria todos os públicos para esses espaços. Todos ganhariam. Sei que soa utópico, porém seria perfeitamente possível se a classe deixasse de lado as vaidades e egos para lutarem por uma união em prol da arte.
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