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Eleição na Zumbilândia

Fundador de Navegos escreve sobre disputa em curso por vaga da vez na Academia Norte-riograndense de Letras, uma instituição que é uma versão beletrística da Zumbilândia.

*Franklin Jorge

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Academias de Letras existem em todo o mundo civilizado. Países como a Suécia, França, Espanha  e Portugal possuem, talvez, as mais prestigiosas e seculares  instituições do gênero. A sueca (1737), por exemplo, atribui anualmente o  premio literário que dá fama instantânea a qualquer escritor que o conquiste, às vezes, nos últimos anos, por um viés socialista detectado em sua obra que lhe garantirá boa vida até o resto de seus dias. A francesa, criada em 1635 pelo satânico cardeal Richelieu, a mais antiga do mundo, e a portuguesa (1779), que se destaca pelos estudos da língua e por seu dicionário. A brasileira (1897), criada por Machado de Assis, por muitas gerações a mais respeitada instituição cultural do país, tornou-se, nos últimos anos, palco de controvérsias ao eleger, como a norte-riograndenses, em vez de escritores, pessoas ”notáveis”, o que as fizeram cair em descrédito, passando a  serem chamadas de ”Academia Fuleira de Letras” e ”Antessala de Necrotério”.

Apesar do descrédito crescente, tais sodalícios continuam a trair as vaidades provincianas e pessoas que, em sua maioria, não tendo obras relevantes que lhes assegure o reconhecimento popular, buscam à sombra de tais instituições já um tanto obsoletas e inúteis, o mérito que efetivamente não possuem e, por este expediente, parecem aptas a se tornarem imortais, embora retornem ao anonimato de onde saíram sete dias depois do decesso,  que agora chamam jocosamente de ”encantamento”, repetindo o que disse o grande escritor João Guimarães Rosa noutro contexto.

No momento, em Natal – cidade onde os literatos carregam reis na barriga – as professoras Josimey Costa e Isaura Amélia Rosado, ambas aposentadas,  se enfrentam no próximo mês de agosto pela posse da Cadeira 32 que tem como Patrono o areia-branquense Francisco Fausto, vaga com a morte recente do ex-governador Geraldo Melo, que sequer chegou a esquenta-la com a sua bagagem literária. Nesse pleito a vaga em questão foi questionavelmente aberta como uma forma de privilegiar e ampliar a presença feminina na Casa de Manuel Rodrigues de Melo, que só dispõe de quatro mulheres em seu plantel, algo que nos faz pensar que as tais ”Cotas”  destinadas a negros e desvalidos foram engenhosamente implementadas na Academia para dar-lhes um resquício de contemporaneidade.

Fundada em 1936 por um grupo do qual faziam parte os escritores Luís da Câmara Cascudo e Edgar Barbosa, Palmira Wanderley e Henrique Castriciano, já teve em seus quadros escritores como Manoel Rodrigues de Melo, Maria Eugênia Maceira Montenegro, Américo de Oliveira Costa, Anna Maria Cascudo Barreto, Nilo Pereira, Nilson Patriota, Newton Navarro, Dorian Gray Caldas, Sanderson Negreiros, Aluizio Alves e Luiz Rabelo, tornou-se com o tempo – sobretudo sob a longa e exaustiva presidência do maior e no entanto mais modesto e abnegado intelectual  que o Agreste já teve, Dr. Diógenes da Cunha Lima, dito ‘O comedor de corações de rouxinóis’ -, numa espécie de ancoradouro de vaidades em carne viva.

Nos últimos anos, para enfrentar o déficit de interesse pela conquista da Imortalidade, a ANRL deu um pé na bunda do mérito e escancarou suas portas a quem  tiver pescoço e ombros para ostentar o colar e o capelo acadêmicos, já que o uso do fardão estaria fora do alcance da maioria de seus condôminos.

Josimey, professora da Faculdade de Jornalismo tem a vantagem, mas não o dinheiro, em relação a sua rival na acirrada disputa, de ser sem sombra de suspeição a autora de sua própria obra em prosa e verso, marcadas por indiscutível talento autoral.  Num pleito justo, ascenderia ao Parnaso por mérito e sem o constrangimento de seus pares. Se, eleita, será uma força nova em meio a uma confraria de pessoas idosas que anda pelas tabelas.

Já Isaura, que tem a ambição e a vaidade de se fazer imortal como gestora de instituições de cultura que ela ajudou a desmilinguir, como ocorreu com a Oficina de Gravura Rossini Quintas Perez e o Museu Nilo Pereira instalado na casa-grande do Engenho Guaporé, no Ceará-Mirim, tem sabidamente o hábito de delegar a terceiros e a escritores-fantasmas a criação das obras que publica sob o seu nome, uma prática que não seria estranha a outros afortunados acadêmicos bem estribados na grana. Em 2013, por exemplo, chegou a fazer-me uma proposta que considerei indecente: queria dividir comigo a autoria de um livro sobre o mais grandioso Dia da Poesia que Natal já teve. Desconfiado, perguntei-lhe se escrevia alguma coisa. Depois de hesitar, respondeu que à noite, deitada em sua cama, gostava de digitar textos, confundindo a criação de uma obra com um trabalho meramente mecânico que não requer nenhum talento em especial, apenas habilidade manual e disponibilidade de tempo…

Contudo, as chances de Josimey, apesar de sua reconhecida contribuição às Letras Potiguares, são limitadas. Ela concorre  com a abonada representante de uma velha oligarquia que já tem outros Rosado em seu quadro. Por ter dinheiro, a eleição de Isaura cairia como sopa no mel, segundo comentam pessoas mais bem  informadas sobre a dinâmica acadêmica, pois tiraria um fardo dos ombros de seu encruado presidente. A eleição de Isaura para a mortífera Cadeira 32 seria o primeiro passo em direção à presidência da Casa, que o autor de Lua 4 vezes sol suporta há quase quatro décadas à espera de um cirineu ou  alguma alma caridosa capaz de render, no cargo que se tornou dispendioso, material e fisicamente o estafado guerreiro já octogenário que nos deu Nova Cruz.

Na foto, as candidatas da vez.