*Jamal Singh
Num cenário que num momento parece familiar, ora parece pertencer a outra realidade, duas criaturas caminham rumo a um lugar desconhecido. Durante essa jornada, encontram certos seres, envolvidos em afazeres, tarefas, angústias e dúvidas. Assim é a trama de “Eles Estão Por Aí”, com arte de Bianca Pinheiro e roteiro de Greg Stella, que usa de metáforas para falar a respeito de temas profundos. Vida, morte e fé são vistos pelos olhos de criaturinhas bizarras que assim como boa parte da humanidade, não sabem para onde estão indo.
Através de desenhos miúdos e pequenos núcleos de personagens que vão e voltam conforme o enredo se desenrola, a trama vai tocando em questões filosóficas, que abrem um leque de interpretações. As várias tramas são protagonizadas por seres que enfrentam os desafios da vida sem se darem conta da falta de sentido de suas ações. Todos habitam o mesmo mundo e eventualmente esbarram uns nos outros, contudo não percebem seus semelhantes.
Jogando para o ar as convenções do gênero, os autores construíram uma comédia que é dramática, um mistério que não pede resposta, um cenário que não tem lugar. “Eles estão por aí” é um convite para uma viagem insólita, sem rumo definido e nem regras claras. A obra pode não ser bem recebida por um leitor iniciante de quadrinhos, e até os mais familiarizados com HQs podem levar um certo tempo para processar e digerir o conteúdo do quadrinho, que é angustiante, assombroso e insólito.
A carioca radicada em Curitiba Bianca Pinheiro é conhecida por ter lançado “Bear”, uma série de quadrinhos alto astral e colorida que retrata a jornada de uma menina em busca dos pais ao lado do amigo urso, e “Dora”, uma história mais macabra sobre uma garota que é acusada criminalmente de provocar eventos terríveis ao seu redor. O sucesso desses trabalhos lhe rendeu o convite para trabalhar numa Graphic Novel da Mauricio de Sousa produções, “Mônica – Força”. O roteirista de “Eles estão por aí”, Greg Stella, é seu marido e é autor do fanzine Nas Dobras do Mundo. O primeiro trabalho deles juntos foi a HQ “Meu Pai é Um Homem da Montanha”. E todos esses trabalhos são totalmente diferentes de “Eles estão por aí”.
Na arte, Bianca apresenta um traço cartunesco e detalhado, diferente de seus trabalhos anteriores. Há uma atenção especial às expressões faciais, cheias de sutilezas com paisagens amplas, que reforçam a pequenez em todos os sentidos dos bichos. Há poucos cortes bruscos de uma sequência para outra, com uma leitura fluída, que valoriza o modo contemplativo com que os temas são tratados. A narrativa de “Eles estão por aí” não tem começo, meio ou fim bem definidos e mantém o suspense até a última das suas 216 páginas.
Como não revela situações e razões, a história pode acabar levando o leitor no final a ter mais dúvidas do que tinha quando começou a ler a história. Mas, por mais que não deixe o caminho claro, houve uma partida para outro lugar, para fora da zona de conforto do leitor. Mais que uma leitura, “Eles estão por aí” é uma experiência, e vai variar de acordo com as sensibilidades de cada leitor a captar suas sutilezas. Quem esperar um quadrinho convencional, com começo, meio e fim demarcados, vai se decepcionar. Quem estiver disposto, e tiver paciência para buscar os significados, encontrará um dos mais singulares e belos quadrinhos nacionais dos últimos tempos.