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Em Busca do Recife em Natal

Alexsandro Alves, escritor e professor, levado por um sabor sem igual, buscava, desde que aqui na Terra dos Reis Magos chegou, o reencontro com sua Recife, que ocorreu apenas ano passado.

*Alexsandro Alves

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Há sabores que sempre estarão ligados a lugares e à épocas. A nossa memória é assentada nessas recordações, que muitas vezes remetem a nossa infância. Os sabores de uma época se desdobrando em outras épocas, desencadeiam vivências adormecidas, fazem o tempo ser revivido.

Desmaterializando as coisas sentidas em lembranças, inconscientemente escrevemos uma obra literária para nós mesmos. Esse movimento é como as ondas no mar, um vasto tecido ondulando no universo, luas de muitas faces repetidas, sempre renovadas nos significados. Fechar os olhos e sentir o tempo escorrendo em cheiros, em sabores, no passado já vivido renovamos nossa vida para a eternidade.

Quando cheguei em Natal, aos 14 anos, vindo de Recife, fui a uma padaria. Queria comer pão de queijo. Comprei o pão e fui para casa.

Eu não percebi, mas o pão de queijo era diferente. Só percebi quando provei. Não havia queijo. Abri o pão e o queijo não estava lá. Havia uma farinha amarela por cima, queijo parmesão ralado? Então o pão de queijo natalense era apenas isso. Um pão seco com um polvilho por cima?

Lembro de procurar em todas as padarias que via por pão de queijo “de verdade”, e o que era pão de queijo “de verdade”? A parte da “verdade” era queijo derretido entre as bandas do pão. Pronto.

Certo dia, em uma padaria, vi um pão de queijo diferente. Pensei: “é esse!”, o formato estava diferente, mas parecia bem fofo. Mas não era. Era pão de queijo mineiro. Sem gosto. E às mordidas, respondia como uma borracha – e continua assim ainda.

Pensava assim: “será que é o clima de Recife? Não é possível que só exista pão de queijo em Recife! O de Natal é ordinário, o de Minas é um chiclete salgado!”. Passaram-se todos esses anos e eu nunca vi pão de queijo aqui em Natal. Até o ano passado. Eu descobri o que acontecia.

No Nordestão da Maria Lacerda eu o vi. Sem querer. O moço me disse: “é pão de batata com queijo!”, pedi.

E quando provei, finalmente eu voltei. Recife estava lá. Aquela padaria da Rua Mauriceia, que nem existe mais, foi reconstruída na íntegra. Cada momento nela.

Abri o pão. E lá estavam. Fios vermelhos entre uma massa amarelada. O pão de queijo de Recife é de queijo do reino. Eis tudo.

Aqui em Natal não é muito comum esse queijo. Embora de uns tempos para cá já encontro o verdadeiro pão de queijo, assim como empadas e até coxinhas e croissants desse queijo maravilhoso, que é a “cara” de Recife. Herança holandesa. É um queijo derivado do gouda, na verdade, uma releitura recifense desse queijo holandês.

Em Recife, até camelôs, em qualquer esquina do Centro, vendem sanduiche de queijo do reino. É muito Recife essa iguaria. 90% da produção nacional é para Pernambuco. O ano todo lá se come queijo do reino, aqui em Natal, é sobretudo nas festas de fim de ano. Mas percebo que isso vem mudando.

E assim, o Alexsandro de 1989 fez as pazes com certo aspecto dessa cidade.