*Julio Ramón Ribeyro
Às vezes penso que para mim a literatura é apenas um álibi que utilizo para me libertar do processo da vida. O que chamo de meus sacrifícios (não ser advogado, professor universitário, político ou adido cultural) são talvez fracassos simulados, impossibilidades. Minha desculpa: sou escritor. Meu relativo sucesso nesta área desculpa minha falta de jeito em outras. Sempre fugi de todas as provas, de todos os confrontos, de todas as responsabilidades. Menos que escrever. Parece que levo a vida para o meu território, onde nenhuma surpresa pode me surpreender. Protegido do mundo, do povo, sozinho diante da minha máquina de escrever, sem coerção nem pressão, sem juízes, nem plateia, nem aplausos ou bufos, na areia solitária da minha página em branco, prossigo para a mise à mort do vida.
Julio Ramón Ribeyro
11 de março de 1965
[Dez anos depois]
Quando não estou na máquina de escrever fico entediado, não sei o que fazer, a vida parece perdida, o tempo insuportável. Se o que você faz tem valor ou não, é secundário. O importante é que escrever é o meu jeito de ser, que nada vai substituir. Quando imagino uma vida milionária e afortunada, sempre vejo o lugar onde posso continuar escrevendo. Se não fosse preciso comer, dormir, trabalhar, não sairia deste lugar, onde nada me incomoda, onde gozo da mais completa vontade, onde sou dono do mundo, do meu mundo, das suas fábulas, façanhas, falta de jeito , loucura, o mundo irreal da criação, próximo ao qual não há nada comparável.
Julio Ramón Ribeyro
11 de maio de 1975