*Horácio Paiva
Sôbolos rios que vão, em Portugal me achei num recanto renascentista, onde fora a procura de um vate genial: Luís de Camões. Para alguns, o maior, para outros um dos maiores poetas da língua portuguesa. De qualquer forma, suprema expressão do classicismo literário português.
A sua epopeia, OS LUSÍADAS, alcançou significativa repercussão e notoriedade, firmando-se como uma das principais obras literárias do Renascimento europeu. Mas, observe-se: igualmente importante é a sua obra lírica, os sonetos (sobretudo), as canções, sextinas, redondilhas etc., em sua maioria, formas líricas adotadas da Escola Italiana, anteriormente introduzida em Portugal por Sá de Miranda (1481-1558), outro grande renascentista lusitano.
Não obstante a genialidade – reconhecida, pela posteridade, em toda sua extensão – não chegou, em vida, a usufruir da fama, apesar de seu livro Os Lusíadas ter sido publicado em 1572 (primeira impressão), oito anos antes de sua morte, em 1580, em Lisboa. Tal merecido reconhecimento chegou, pois, para ele, tardiamente.
A sua influência, porém, faz-se sentir através dos séculos em autores ocidentais, nacionais e estrangeiros, independentemente de suas escolas e estilos literários. A obra de Elizabeth Browning (06/03/1806-29/06/1861), por exemplo, célebre poetisa romântica inglesa do século XIX, admiradora do poeta, está impregnada dessa influência, presente em seu livro “Sonnets from the Portuguese” (“Sonetos da Portuguesa”), publicado em 1847, onde acolhe o modelo português/camoniano de soneto (dois quartetos e dois tercetos) e não o inglês (três quartetos e um dístico). Mas a sua admiração pela lírica do grande vate português segue adiante, e também notável no poema intitulado “Catarina to Camoens” (“Catarina a Camões”), que transcrevemos na nota 02 a este verbete introdutório, numa tradução de outro gênio, Fernando Pessoa. Catarina (ou Caterina) de Ataíde vivia na corte portuguesa e era dama de honra da rainha, D. Catarina de Áustria, esposa do rei D. João III. Segundo alguns biógrafos, Camões também nutria sentimentos amorosos pela infanta D. Maria, bela e culta irmã do rei, mas cautelosamente recolhidos, em virtude das diferenças sociais: Camões, da pequena nobreza, e empobrecido; D. Maria, princesa. Em sua lírica, Catarina é chamada Natércia (inversão de letras do nome Caterina, a encobrir sentimentos).
Há um singular poeta brasileiro, o cearense José Albano (12/04/1882-11/07/1923) – desconhecido da maioria, e mesmo daqueles que gostam de poesia -, que não é apenas exemplo da influência de Camões na atualidade, mas seu seguidor fiel, espécie de “encarnação literária” do grande mestre. Clássico fora de época (escreve como se vivesse no século XVI, no mesmo estilo clássico/renascentista de Camões), e verdadeiro fenômeno, pelo domínio da técnica e alta qualidade de sua poesia. A nota 03 a esta introdução contempla um de seus sonetos, o Soneto I, cujo verso inicial traz a décima dramática e emocional: “Poeta fui e do áspero destino (…)”. Manuel Bandeira, em sua “Apresentação da Poesia Brasileira”, diz, a seu respeito: “A Albano, que era dotado de raro talento linguístico e conhecia a fundo vários idiomas modernos e antigos, não foi difícil assimilar inteiramente o ‘antigo estilo’, e o seu “Poeta fui…” nos soa em verdade como um soneto póstumo de Camões.”
Várias localidades disputam o privilégio de terem sido o berço de Camões, entre elas as cidades de Coimbra e, com maior probabilidade, Lisboa. A jornalista e escritora Mirna Queiroz descreve resumidamente sua vida, na seguinte tábua cronológica:
“1524 ou 1525: Datas prováveis do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez em Lisboa. – 1548: Desterro no Ribatejo; alista-se no Ultramar. – 1549: Embarca para Ceuta; perde o olho direito numa escaramuça contra os Mouros. – 1551: Regressa a Lisboa. – 1552: Numa briga, fere um funcionário da Cavalariça Real e é preso. – 1553: É libertado; embarca para o Oriente. – 1554: Parte de Goa em perseguição a navios mercantes mouros, sob o comando de Fernando de Meneses. – 1556: É nomeado provedor-mor em Macau; naufraga nas costas do Camboja. – 1562: É preso por dívidas não pagas; é libertado pelo vice-rei Conde de Redondo e distinguido seu protegido. – 1567: Segue para Moçambique. – 1570: Regressa a Lisboa na nau Santa Clara. – 1572: Sai a primeira edição d’Os Lusíadas. – 1579 ou 1580: Morre de peste, em Lisboa.”
Conta-se que, naufragando na foz do rio Mekong (costa do Camboja, por volta de 1560), conseguiu salvar o manuscrito d’Os Lusíadas, a nado. Mas perdeu a mulher amada, uma jovem chinesa, que viajava em sua companhia. Seria, para alguns, a Dinamene que aparece em vários de seus poemas. De qualquer forma, ela lhe inspirou o mais belo e sublime soneto da língua portuguesa, o “Alma minha gentil…”, ao final reproduzido.
Uma última observação, que teima em não passar em branco: Camões, que lamentava o declínio histórico da Pátria que tanto enaltecera, morre em 1580, mesmo ano da subida ao trono de Portugal do rei da Espanha, Felipe II, que passaria a governar os dois países. Portugal e suas colônias viveriam os próximos sessenta anos, até 1640, pois, sob o domínio espanhol. Já no final d’Os Lusíadas (Canto X, estrofe 145), despedia-se Camões, amargamente:
“No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza.”
(*) Horácio de Paiva Oliveira – Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.