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Encontro com a poesia: três joias do Romantismo

O poeta e escritor Horácio Paiva, apresenta-nos o fascínio permanente da lírica romântica através de três poetas de sua predileção.

*Horácio Paiva**

[email protected]

 

 

O Combatente Téméraire, 1839, de J. M. William Turner

 

Neste intervalo contemplativo, sob o domínio da emoção romântica, estampo três caros poemas, lidos e relidos no tempo que me coube: O INFINITO, do italiano Leopardi; TRISTEZA, do francês Musset; e ODE SOBRE UMA URNA GREGA, do inglês Keats. Os seus tradutores são, pela ordem: Vinicius de Moraes, Guilherme de Almeida e Augusto de Campos. No final, introduzo uma nota sobre o genial poeta romeno Eminesco, acompanhada de uma de suas poesias, um soneto traduzido por Nelson Vainer.  Há uma segunda nota em que apresento a tradução d’O INFINITO feita por Ivo Barroso. Muito boa também. Mas dei preferência à de Vinicius por amá-la há muito tempo e sabê-la de cor. Vejamos então:

 

GIACOMO LEOPARDI (1798-1837)

 

O INFINITO

 

Sempre cara me foi esta colina

Erma, e esta sebe, que de tanta parte

Do último horizonte o olhar exclui.

Mas sentado a mirar, intermináveis

Espaços além dela, e sobre-humanos

Silêncios, e uma calma profundíssima

Eu crio em pensamentos, onde por pouco

Não treme o coração. E como o vento

Ouço fremir entre essas folhas, eu

O infinito silêncio àquela voz

Vou comparando; e vem-me a eternidade

E as mortas estações, e esta, presente

E viva, e o seu ruído. Em meio a essa

Imensidão meu pensamento imerge

E é doce o naufragar-me nesse mar.

 

 

ALFRED DE MUSSET (1810-1857)

 

TRISTEZA

 

Eu perdi minha vida, e o alento

E os amigos, e a intrepidez,

E até mesmo aquela altivez

Que me fez crer no meu talento.

 

Vi na Verdade, certa vez,

A amiga do meu pensamento;

Mas, ao senti-la, num momento

O seu encanto se desfez.

 

Entretanto, ela é eterna, e aqueles

Que a desprezaram  –  pobres deles!  –

Ignoraram tudo talvez.

 

Por ela Deus se manifesta.

O único bem que ainda me resta

É ter chorado uma ou outra vez.

 

 

JOHN KEATS (1795-1821)

 

ODE SOBRE UMA URNA GREGA

 

I

 

Inviolada noiva de quietude e paz,

Filha do tempo lento e da muda harmonia,

Silvestre historiadora que em silêncio dás

Uma lição floral mais doce que a poesia:

Que lenda flor-franjada envolve tua imagem

De homens ou divindades, para sempre errantes,

Na Arcádia a percorrer o vale extenso e ermo?

Que deuses ou mortais? Que virgens vacilantes?

Que louca fuga? Que perseguição sem termo?

Que flautas ou tambores? Que êxtase selvagem?

 

II

 

A música seduz. Mas ainda é mais cara

Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;

Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,

O supremo saber da música sem som:

Jovem cantor, não há como parar a dança,

A flor não murcha, a árvore não se desnuda;

Amante afoito, e o teu beijo não alcança

A amada meta, não sou eu quem te lamente:

Se não chegas ao fim, ela também não muda,

É sempre jovem e a amarás eternamente.

 

III

 

Ah! folhagem feliz que nunca perde a cor

Das folhas e não teme a fuga da estação;

Ah! feliz melodista, pródigo cantor

Capaz de renovar para sempre a canção;

Ah! amor feliz! Mais que feliz! Feliz amante!

Para sempre a querer fruir, em pleno hausto,

Para sempre a estuar de vida palpitante,

Acima da paixão humana e sua lida

Que deixa o coração desconsolado e exausto,

A fronte incendiada e a língua ressequida.

 

IV

 

Quem são esses chegando para o sacrifício?

Para que verde altar o sacerdote impele

A rês a caminhar para o solene ofício,

De grinaldas vestida a cetinosa pele?

Que aldeia à beira-mar ou junto da nascente

Ou no alto da colina foi despovoar

Nesta manhã de sol a piedosa gente?

Ah, pobre aldeia, só silêncio agora existe

Em tuas ruas, e ninguém virá contar

Por que razão estás abandonada e triste.

 

V

 

Ática forma! Altivo porte! em tua trama

Homens de mármore e mulheres emolduras

Com galhos de floresta e palmilhada grama:

Tu, forma silenciosa, a mente nos torturas

Tal como a eternidade: Fria Pastoral!

Quando a idade apagar toda a atual grandeza,

Tu ficarás, em meio às dores dos demais,

Amiga, a redizer o dístico imortal:

“A beleza é a verdade, a verdade a beleza”

–  É tudo o que há para saber, e nada mais.

 

 

NOTAS:

 

(1)       Dentre tais expoentes europeus  –  e outros de igual magnitude  –  uma estrela brilha na Romênia e seu brilho aquece o ocidente, embora pouco notado entre nós: MIHAIL EMINESCO, aquele que disse o seu epitáfio nesses versos:

 

“Tenho ainda um desejo:

Na tarde silente

Me permitais morrer

Na beira do mar.”

 

Conheço-o graças à ANTOLOGIA DA POESIA ROMENA, traduzida e organizada por Nelson Vainer, editada em 1966 (pela Editora Civilização Brasileira), e que tenho a subida honra de possuir desde então, como presente do hermano Hermano.

Dele faz rasgados elogios Giuseppe Ungaretti: “Raramente se encontra na literatura dos últimos dois séculos uma figura de escritor e poeta mais complexa e mais completa que a de Mihail Eminesco.” “(…) poeta de sentimento torturado e ardente até à conquista do mais alto esplendor, que faz dele um dos maiores poetas do seu tempo e de todos os tempos, através da humanidade, Eminesco permanece para sempre um dos mestres da palavra poética profundamente inspirado.”

Bernard Shaw, em carta dirigida à escritora Sylvia Pankhurst que, em 1930, publicara, em Londres  –  e pela primeira vez em inglês  -, uma coletânea de poemas de Eminesco, situa o poeta entre os maiores poetas românticos do século XIX.

O meu amigo e poeta, o norte-rio-grandense Jarbas Martins, que acolhe e coleciona sonetos, certamente gostará deste, romântico. Não é a obra-prima de Eminesco, geralmente assim considerado o seu poema LÚCIFER (Estrela da Manhã), um longo de 46 quadras, ou seja, 184 versos. Mas o soneto escolhido é belo e traz, bem talhada, a medida do romantismo:

 

SONETO

 

Quando a própria voz dos pensamentos se cala,

e em mim ressoa um canto doce e piedoso

então, te invoco; ouvirás o meu apelo?

Das brumas frias em que nadas, irás libertar-te?

 

Irão iluminar a noite profunda

os teus olhos grandes, portadores de paz?

Ressurges da sombra dos tempos idos,

Para ver-te voltar  –  como em sonho, assim, viva!

 

Desces devagar… perto, mais perto,

aconchegas-te novamente sorrindo à minha face,

oh, teu amor com um suspiro mostra-o,

 

com tuas pestanas tocas as minhas pálpebras,

que eu sinta a vibração do teu abraço

perdida para sempre, eterna adorada.

 

(2)       E, novamente, O INFINITO de Leopardi, agora na tradução de Ivo Barroso:

 

O INFINITO

 

Sempre cara me foi esta colina

Erma e esta sebe, que de extensa parte

Dos confins do horizonte o olhar me oculta.

Mas, se me sento a olhar, intermináveis

Espaços para além, e sobre-humanos

Silêncios e quietudes profundíssimas,

Na mente vou sonhando, de tal forma

Que quase o coração me aflige. E, ouvindo

O vento sussurrar por entre as plantas,

O silêncio infinito à sua voz

Comparo: é quando me visita o eterno

E as estações já mortas e a presente

E viva com seus cantos. Assim, nessa

Imensidão se afoga o pensamento:

E doce é naufragar-me nesses mares.

 

 

**Horácio de Paiva Oliveira  –  Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.