*Alexsandro Alves
2023 marca quinze anos de publicação de Crise Final, uma minissérie que envolveu todo o Universo DC, escrita por Grant Morrison e desenhada principalmente por J. G. Jones.
Essa minissérie causou muita confusão nos leitores. E não foi apenas pela quantidade de revistas que, em tese, deveriam ser lidas para a compreensão da saga. Eu escrevi “em tese” porque nem sempre é necessária a leitura de todas as interligações. Mas a editora quer ganhar dinheiro e injeta no mercado centenas de títulos com a logo da minissérie e assim força o leitor a comprar muito material inútil.
Mas a confusão não diz respeito apenas a esse tópico, digamos, exterior.
A história principal em si, a minissérie em sete edições mensais, exigiu dos leitores um acervo teórico que muitos não têm. Isso, sim, foi o principal motivo das críticas. Os leitores não entenderam como o Superman derrota Mandrakk e Darkseid no final apenas cantando. Não acharam isso lógico.
Morrison trabalha com dois mestres nessa hq. E para entendê-la precisamos estar cientes de um pouco sobre estes dois mestres: Jack Kirby e Nietzsche.
Nietzsche é célebre por afirmar a vida em oposição às convenções morais do Ocidente, tal qual este se desenvolveu a partir de Sócrates e Platão e, posteriormente, de Kant. É um crítico também da racionalidade. E, sem sombra de qualquer dúvida, o pensamento de Nietzsche, no geral, se volta contra noções preestabelecidas, contra preconceitos – embora ele tenha expressado preconceito contra determinados grupos sociais em seus livros.
O que precisamos ter em mente sobre Nietzsche para a compreensão de Crise Final é que o filósofo afirma a vida. E a afirma nessa existência material e não no além mundo.
Essa afirmação da vida ocorre através da arte, sendo a música a principal das artes. É famosa sua frase “a vida sem música seria um erro”.
De Kirby, Morrison se interessa pela equação da antivida.
O que é a antivida?
É um conceito complicado e muitos escritores já deram sua opinião. Quando eu tinha 12 anos e comecei a ler quadrinhos, comecei com Crise na Infinitas Terras (1987**), eu imaginava que a antivida fosse a onda de antimatéria que devastava os universos na minissérie.
Em Odisseia Cósmica (1990**), Jim Starlin personifica a equação antivida em uma criatura gigantesca.
E Morrison? Morrison é o mais humano e ao mesmo tempo divino em sua interpretação do conceito.
A vida é diversidade. Sendo assim, a antivida é o seu ímpeto contrário, é o preconceito, por exemplo. É a negação da diversidade.
Em vários quadrinhos de Crise Final quando os indivíduos são possuídos pela antivida, eles odeiam os que lhes são diferentes: a antivida ordena, em suas mentes, que odeiem.
Foi sem dúvida um achado de mestre esse encontro conceitual entre Kirby e Nietzsche engendrado por Morrison.
E no fim, Superman não precisa esmurrar heroicamente para garantir a vitória. A música que ele produz vibra de vida, pois é a vida, e isso destrói, ou ao menos anula, a antivida.
Pode não ser o que se espera de um final de quadrinho de super-herói. Mas Morrison nunca é previsível. Esse final é artístico e filosófico. E no último quadrinho da página a seguir, temos: “Darkseid sempre detestou música!”
**Os anos sempre se referem aos lançamentos no Brasil.