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Entre a loja e o tecido da politica

Colaborador de Navegos escreve sobre importante personagem de sua terra natal, doublé de político e proprietário da loja mais chique da Ribeira do Pombal.

*Reynivaldo Brito

Antônio Nascimento era um comerciante alegre e um político pombalense muito habilidoso. Sua loja de tecidos recebia as primeiras novidades lançadas na Capital, e as prateleiras do alto   ostentavam as caixas circulares dos chapéus de   feltro Prada, e também os Panamás de palhinha   importados, que estavam na moda. Lembro que meu   pai gostava dos chapéus de grandes abas. Antônio Nascimento Morais vendia de vários   modelos para todos os gostos. Atualmente, o chapéu   caiu de moda, mas naquela época todos tinham um chapéu bonito que ostentavam como um elemento complementar do traje. Dava mais elegância, e hoje, foram substituídos por bonés, que nem de longe chegam à elegância dos chapéus.

Sua Loja São José ficava onde hoje está um supermercado e tinha um balcão de madeira em toda a largura do imóvel, e ali ele e seus ajudantes estendiam as peças de tecidos coloridos, estampados ou lisos e os desenrolavam com uma habilidade impressionante. Logo a seguir já vinham com o metro, que era de madeira, na cor amarela e em forma de um bastão com quatro lados, todos com os números gravados na cor preta. Portanto, em qualquer lado que estivesse servia para marcar o local exato de cortar a peça na quantidade de metros que o cliente queria.

É bom dizer que naquela época quase não tinha roupa pronta ou prêt-à-porter, como se diz em francês. As costureiras e os alfaiates a exemplo de Joaquim Costa, Viana, d. Alaíde Rodrigues e outros é que faziam nossas camisas, calças e ternos, e os vários vestidos, blusas, anáguas camisolas e calcinhas das mulheres. Tudo era feito na medida e até marcavam o dia de tirar a prova para em seguida ser feita a costura definitiva.

O seu Antônio Nascimento era uma figura alegre e sempre tinha uma resenha para tornar o ambiente mais leve e alegre. Era um piadista de primeira, e ninguém chegava perto dele sem receber uma palavra ou uma frase bem humorada, muitas vezes com uma crítica embutida. Era careca, bem alvo, tinha uma barriga proeminente e um sorriso muito simpático nos lábios. Portanto, era a própria figura do comerciante bonachão que vemos em gravuras antigas. Só não tinha o charutão preso na boca, porque ele não fumava. Falava ligeirinho enquanto ia habilmente desenrolando a peça de tecido para mostrar a textura, a maciez, as cores e largura ou as estampas, quando tinha.

Lembra Maria Lúcia, a Lucinha, sua filha, que seu pai nasceu na zona rural em 29 de outubro de 1905 na Fazenda Saco Fundo, mais conhecida como Fazenda Saco Verde, próxima ao povoado de Curral Falso. Foi batizado com o nome de Antônio Nascimento de Morais, mas todos o tratavam por Antônio Nascimento, filho de José Sabino Nascimento, conhecido por Zé de Maria, e de Cirila Chaves Nascimento de Morais.

Quatro anos depois a região é atingida por uma grande seca e seus pais migraram para o Estado de Sergipe, exatamente para o município de Boquim onde seu pai foi trabalhar numa fazenda ficando até 1916. Lá nasceram suas irmãs em 1911 a Rogerina (Rosa) e em 1915 José (Zeca). A seca amenizou um pouco e em 1916 retornam para a Fazenda Saco Fundo. Aí já crescido o Antônio Nascimento e seus pais procuram uma escola para que ele pudesse estudar, e a mais próxima ficava no povoado de Pedra e sua professora foi Maria de Sevary, permanecendo por seis meses. Já estava no ano de 1918 e o inverno era promissor. Assim, seu pai o convocou para ajudar na roça a plantar feijão e milho para o sustento da família. Depois retorna à escola e retoma os estudos quando leu alguns livros que por lá existiam, e também estudou a Matemática básica.

Como não existiam caminhões para o transporte de mercadorias decide trabalhar de tropeiro em 1920 para transportar no lombo de burros os produtos produzidos na região especialmente milho, feijão, farinha de mandioca que eram levados às cidades mais próximas que dispunham de linha férrea como Serrinha, Alagoinhas e Rio Real. Estas tropas de burros e jumentos ou animais de carga eram muito comuns nas regiões mais atrasadas do Nordeste brasileiro. Esta sua profissão de tropeiro lhe proporcionou a ter contatos com obras de vários escritores nacionais e estrangeiros porque enquanto seus colegas procuravam as novidades de tecidos, chapéus ou bebidas ele buscava os livros de Aritmética, romances de autores consagrados e o de sua predileção era Humberto de Campos. Retornava das longas jornadas com esses livros e os lia com muito gosto, até mesmo durante à noite, com a luz de um velho candeeiro. Foi assim que aprendeu a ler e escrever corretamente obedecendo as regras e concordâncias verbais e gramaticais que usou para se expressar a vida inteira.

Tinha por volta de vinte anos de idade no ano de 1927 e já conhecia um próspero comerciante local, José Rodrigues, que dominava o ramo de tecidos e afins. Dizem que além de hábil comerciante era um fidalgo ao tratar as pessoas e no seu modo de vida. E assim pegou amizade com o jovem tropeiro que lhe transportava as mercadorias e prestava contas com precisão e honestidade. Aí terminou lhe convidando para trabalhar em sua loja como balconista, e foi assim que iniciou sua vida no comércio o saudoso seu Antônio Nascimento.

Brincalhão e piadista, sempre saía com alguma piada para alegria e às vezes espanto dos seus interlocutores. Sua filha Lucinha relembra de algumas. Vejamos: Certo dia estava na fila de uma agência bancária, quando uma moça chega apressada e pede para ele ceder o lugar na fila. Prontamente respondeu: Hoje eu não posso, mas amanhã, às mesmas horas pode vir que eu lhe cedo o meu lugar. A moça ficou desconcertada.

Já viúvo aos 83 anos de idade recebeu proposta de uma também viúva, bem mais jovem, que tinha apenas 40 anos de idade. Certamente muitos em situação igual iriam considerar esta proposta vantajosa, mas seu Antônio Nascimento olhou para a pretendente e lhe respondeu mais ou menos assim: Aí se eu aceitar vamos morrer logo! Eu de raiva e você de vergonha.

Certa vez uma senhora amiga confidenciou que não aguentava mais viver com tanto sofrimento e lhe perguntou: Seu Antônio Nascimento o que faço da minha vida?  Ele olhou, e de repente saiu com esta: Fique doida, porque doida não sofre. Quem o conheceu e conviveu com ele certamente relembra várias outras histórias do seu Antônio Nascimento.

Lembra Maria Lúcia Morais, a Lucinha, sua filha, que seu pai “pautou sua vida pela dignidade, honestidade e amor. A sua espiritualidade estava configurada na sua capacidade de amar sem discriminação. No bem servir, através da política e da solidariedade, do sentir-se no outro. Na evidência dos valores espirituais acima das conquistas materiais. Grandes ensinamentos conquistei com o seu exemplo. São 22 anos sem sua presença física porque ele partiu para a eternidade no dia 9 de setembro de 1999. Sinto-me feliz porque sou sua filha!”

Mesmo sendo um simples balconista na loja de tecidos de seu patrão José Rodrigues ele tinha um tino para a política, e assim em 1932 embarca na onda do Integralismo, de Plínio Salgado, que se espalhou pelos quatro cantos de nosso país. Portanto, consegue fundar em Ribeira do Pombal o partido integralista, o PRP. Partido de Representação Popular. No ano seguinte funda a Ação Integralista Brasileira – AIB onde congrega as mulheres e crianças. Foi um movimento muito significativo para a época em Ribeira do Pombal. Tenho algumas fotos que me foram cedidas há alguns anos que registram este movimento integralista que era inspirado no fascismo italiano e tinha uma forte ligação com a Igreja Católica.

Já em 1934 o comerciante José Rodrigues resolveu vir morar em Salvador e expande seus negócios na Capital. Vende seu comércio em Ribeira do Pombal para Joaquim Morais que era seu primo em terceiro grau. Seis anos depois devido o seu jeito amigável de ser seu Antônio Nascimento já contabilizava aos 35 anos de idade nada menos que 630 afilhados, digno de um registro do Guiness.

Em 1942 apaixona-se por uma moça 18 anos mais nova que ele, e era filha do seu patrão, que aceitou bem o namoro, e no ano seguinte casa-se com d. Efigência Morais com quem teve cinco filhos: Antônio Kleber (falecido), Maria Lúcia, José Roberto, Maria Helena e Maria Antônia.

Em 1946 começa o reinado político de Ferreira Brito e conta com o apoio de Antônio Nascimento, quando saem vencedores do pleito. Já em 1950 Ferreira Brito cumpre apenas parte do acordo que firmaram, mas apoia o candidato do Partido de Representação Popular, o PRP, de Plínio Salgado quando foi eleito seu amigo, correligionário e colega do ramo de tecidos, dono da Casa Chaves, José Leôncio Chaves. Vieram os desentendimentos políticos, e em 1954 ele disputa a Prefeitura com seu antigo aliado Ferreira Brito e perde a eleição por apenas 34 votos. Em 1988 falece sua esposa d. Efigência, e aos 89 anos de idade em 1994 sente-se cansado e para de trabalhar, vindo a falecer cinco anos depois no dia 9 de setembro de 1999, aos 94 anos de idade.

O Sebastião de Almeida Gama, de 72 anos, trabalhou com seu Antônio Nascimento. Conta que residia numa Fazenda onde hoje é o povoado de Pombalzinho, e como seu pai era compadre de Antônio Nascimento perguntou a ele se tinha uma vaga de emprego para o filho. “Eu tinha uns 19 anos e passei a trabalhar na Loja São José que ficava onde foi instalada a antiga sede do Baneb. Aí fui trabalhar com ele e foi uma experiência fantástica. Foi através dele que me incentivou, como também Lucinha, a fazer o exame de Admissão para ir estudar no ginásio. O movimento era pequeno naquela época por volta de 1968 a 1970, e aí durante às tardes passei a estudar. Você lembra que antigamente era preciso fazer o teste de Admissão para entrar no Ginasial. Passei de primeira e fui fazer o Ginásio. Aprendi com seu Antônio muita coisa importante porque a loja era um ponto de encontro das pessoas onde se discutia política e outros assuntos. Ele recebia todos os jornais que chegavam na Cidade: A Tarde, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia.

Lá frequentavam o sr. Imério,Totonho Brito, Pedro Souza, Joaquim Costa e muitos outros . Discutiam a política estadual e nacional. Seu Antônio foi sempre político. Ele era muito querido e aprendi muita coisa. Se perguntasse a ele quem é o Ministro da Educação, o governador de algum Estado, ele sabia tudo. Tinha uma memória fantástica!”

Disse ainda Sebastião Gama que ” lia muito, nunca vi uma pessoa com uma cultura tão vasta quanto ele. Através dele fui estudar e fiz o Ginásio e parte do Colegial, foi quando passei no concurso do Banco do Estado da Bahia, o Baneb, e fui trabalhar. Trabalhei até 2002 quando passou para o Bradesco, foi que saí. Trouxe meus irmãos mais novos e todos conseguiram suas independências. Tenho todo o carinho à família do seu Antônio Nascimento. Lembro de d. Efigência que era uma mulher chic. Ela fazia o Presépio de Natal que era muito visitado pelos pombalenses. Ela sempre montava seu o Presépio com um mês de antecedência. “Ele acrescentou ainda que as pessoas que trabalhavam nos cartórios, onde hoje funciona a Câmara de Vereadores, como d. Altair e suas irmãs, Zilda Freire e outras pessoas por volta das 17 horas iam para a Loja São José bater papo com seu Antônio ver os produtos que tinham chegado, e discutir as novidades. Lembro também que Miguel Valério aparecia e muitos outros. Eram tardes agradáveis

NR – Mais uma vez meu agradecimento ao amigo Hamilton Rodrigues que com sua disposição e entusiasmo vem recolhendo os depoimentos, fotos e outros materiais que necessito para escrever esses textos, acrescidos da minha própria vivência e conhecimento da muitos dos personagens até agora retratados. Vem mais por aí. Estamos trabalhando.