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Epígono de Câmara Cascudo

O Professor Márcio de Lima Dantas aproxima e vê afinidades na obra de Franklin Jorge e Luís da Câmara Cascudo em prefácio escrito para Cascudo no Planeta Hemp.

*Márcio de Lima Dantas – Escritor, Poeta, Ensaísta e Professor do Departamento de Letras da UFRN

Penso que poucos são os herdeiros do padrão de interesses e pesquisas chantado por Câmara Cascudo. Lastro extremamente fértil e pleno de pistas, porém aguardando ainda estudos de maior envergadura, não apenas sobre sua obra, mas sobre o que deixou esboçado ou apenas colhido, superficialmente, na frondosa árvore dos fenômenos culturais.

Muitos dos que se dizem estudiosos do nosso grande e humilde sábio pouco ou nada acrescentam à exegese da vasta obra cascudiana, permanecendo em tediosos bocejos encomiásticos e catando farelos de anedotas para serem contados em auditórios repletos de gente desinformada e sem compromisso com a cultura. Salva-se um ou outro ensaio. Lembro o recente lançamento do professor Marcos Silva: Dicionário Crítico Câmara Cascudo, excelente trabalho de pesquisa.

Creio que o escritor e jornalista Franklin Jorge inscreve-se como aquele que melhor conseguiu apreender o espírito contido subliminarmente no projeto cascudiano de realizar uma cartografia do imaginário popular, dos seus costumes, dos seus ritos e mitos, bem como de uma História dos eventos sucedidos na antiga Capitania do Rio Grande, e não esquecendo as obras acerca de tradições encontradas em todo o país, bem como os tipos populares e as Velhas Figuras. O certo é que Cascudo manteve um inextrincável diálogo com personagens que poderiam contribuir para o desvendamento dos contornos que constituem o nosso ethos.

Prova do que discorri é a 2ª. Edição do livro O spleen de Natal [Edufrn, 2001]. De maneira original, Franklin Jorge consegue adentrar no imo de personagens que se destacam no grande teatro social, extraindo uma essencialidade de alguém que manteve algum tipo de contato intuitivo ou racional com a antiga Cidade dos Reis. Com efeito, as falas articulam uma espécie de discurso capaz de denunciar explícita ou subliminarmente o pathos etnológico-ontológico da polis. As partes do livro entretecem, por meio do viés de cada falante, uma figura resultante de um agrupamento humano, nominando ou aproximando o que a caracteriza ou a distingue de outras villes. À luz franca do narrador – a personagem coadjuvante do livro já que a principal é a Cidade do natal – durante o tempo de interlocução, faz exsudar toda uma galáxia de signos presentes na memória coletiva, codificada que estava por meio do afeto, quer seja via sentimento do amor ou via sentimento de ingratidão, variante bem conhecida do ódio. O autor e seu alter-ego Jorge Antonio conseguem plasmar numa linguagem de elegância clássica, expressa através de parágrafos curtos, como se tivessem rememorando e se detendo, ruminando, um pouco sobre as imagens que lhes vêm à mente, processo que faz lembrar as pausas respiratórias indiciadas pelas estrofes de um poema. Muito bem, eis aqui a virtude maior dos textos-entrevistas enfeixados no Romance de uma cidade: a consubstanciação de uma estampa cujas figuras são metáforas arrojadas, produzindo imagens mentais de alto valor estético e empático. O real fulge em graça e beleza, transfigurado que foi num estilo capaz de atenuar um forte componente trágico contido na maioria das falas dos que se propõem a dizer algo sobre a cidade do Natal.

Enfim, o escritor Franklin Jorge andando sobre o aterro cultural deixado por Câmara Cascudo empreita a difícil tarefa de circunscrever a auréola dos seres assinalados, aqueles resguardadores de um caráter e de um espírito de uma época, sendo que o autor parece captar o exato instante do definhamento de um tempo e a virada em direção às novas formas de sensibilidade social das gentes da antiga Cidade dos Reis.

Livro singular no âmbito das nossas letras, escrito sob o signo de uma ingente bondade e desprendimento, O Spleen de Natal nos faz crer que a tarefa iniciada pelo velho sábio habitante da Avenida Junqueira Ayres 377 encontrará epígonos dignos de preencher lacunas deixadas por ele.

FOTO: Franklin Jorge aos 26 anos e o autor de Civilização e Cultura, fotografados por Mazda Perez e reprodução de um dos inúmeros bilhetinhos enviados pelo Mestre ao seu discípulo.

Franklin Jorge aos 26 anos com Câmara Cascudo, fotografados por Mazda Peres