*Valterlucio Bessa Campelo
Enfim, o monstro chegou. Era quase certo que viria, os homens da ciência já o pressentiam e aqui e ali avisavam aos poucos que queriam ouvir. Veio invisível, sem corpo, sem alma, sem voz. Mesmo materialmente ínfimo, instalou-se como um vendaval entre nós, revirando tudo, contorcendo tudo, afugentando todos. Sob seu mal, o mundo ficou deserto, a terra parou atônita. O que fazer?
O monstro reduziu toda a esperança a limites rasos, toda a coragem a reações instintivas, toda a razão a pequenos pedaços de certeza. Cada tentativa de luta implicou oferenda de vidas no altar da ciência obtida de supetão. Entre o saber observado nas macas e a ciência que pula processos, o vai e vem das defesas foi como um exercício de advinhas.
O monstro entrou em nossas mentes e aniquilou nossos sonhos. Através das televisões, ele nos acorrentou em nossas camas e sofás e nos alimentou de desgraça. A contagem diária nos portões de saída da vida nos tornou dependentes de uma curva macabra que teimou em crescer.
O monstro invadiu nossas almas e confrontou nossa fé, nos incutindo a dúvida, instalando porquês, testando nossas convicções. A perda de amigos e parentes deixou uma zona cinzenta, assim, como uma névoa que encobre a fatalidade.
O monstro torceu nossa coragem e nos intimidou. Nos fez cobrir nossos rostos e abaixar a cabeça, parecendo mais seres sendo humilhados do que pessoas que lutam. Nossos sorrisos não foram mais vistos, restaram olhares melancólicos, ansiosos, revoltados.
O monstro pegou nossas crianças e as prendeu em gaiolas. Elas não correm, não cantam, não brincam, não riem, não aprendem, apenas perguntam. Suas pequeninas mentes foram estancadas em seu desenvolvimento. Não se mede o dano ao jovem que virá, ao adulto em que se transformará.