*Alexsandro Alves
Por que o amor escraviza?
Ontem eu fui ao Praia Shopping para ver um filme. Lá chegando, inesperadamente, encontro um antigo conhecido, um amigo “das antigas”, fazia muito tempo que não o via. E o filme precisou esperar.
Nos sentamos e durante a conversa ele parecia entristecido.
Não liguei para sua tristeza, bem visível, aliás e audível. As pessoas quando estão abaladas ficam com a voz fina, como se chorassem sem derramar lágrimas. Confesso mesmo: fiquei impaciente! Eu havia perdido meu filme para ouvir problemas.
Mas o escritor que caminha comigo sussurrou: “estes são problemas reais, escute!”.
Havia muitas maneiras de fazê-lo falar o que ele queria e não sabia como. Eu poderia simplesmente ser direto: “o que está acontecendo? Você está com problemas?” Ou então, dar-lhe forças segurando sua mão e olhando nos olhos dele.
Preferi ficar calado. E imóvel. Demorou um tempo. Eu o olhava. Seus mais de 50 anos não aparentavam pelo rosto. Seu semblante estava marcado por olheiras. Notei então que seus olhos estavam vermelhos – talvez estivesse chorando antes de me encontrar. Estar entre uma multidão e chorar, e ninguém notar, faz tudo ao nosso redor silenciar. Eles não nos enxergam e nós não os escutamos. É como se estivéssemos em um túnel, de alguma forma, a realidade fica suspensa.
E no tempo dele, ele falou.
“Estou morando com um cara. Mas ele não me ama, eu acho. Deve ser só o jeito dele, mas ele é agressivo. Eu conheci ele faz pouco tempo e chamei para morar comigo. Faz nem três meses”.
“Idade?”
“29. Não trabalha. Eu digo para ele: ‘coloque currículo nos cantos.’ Ele zomba. E diz: ‘Eu não trabalho e me visto melhor do que quem trabalha, o meu celular é melhor do que o seu’. Eu não sei como ele consegue. Ele vive no celular, falando com coroas ricas, deve ser isso. Vou lhe mostrar uma foto dele”.
Um vagabundo. 29 anos sem trabalhar e fazendo programa. No seu Instagram, aquele tipo de imagem de imbecis, sem camisa com a língua de fora.
“Ele vive assim!”
“É um michê. Você está bancando um michê. Ele vai acabar lhe matando. Com a faca da cozinha. É assim que termina. Sempre é.”
“Ele é agressivo. Tem vezes que que dá medo olhar para ele.”
“Ele é agressivo porque te odeia. Vive as suas custas: casa, comida, roupa lavada, internet. Tudo pago por você. E isso o faz odiar você ainda mais. Porque quem precisa nunca é grato, a necessidade gera o rancor e a ingratidão. A inveja”.
“O que eu faço?”
“Tire ele da sua casa.”
Novo silêncio.
“Eu não estou morando em minha casa… eu aluguei um kitnet pra nós dois. Ele queria morar num bairro melhor… O aluguel, no contrato, é de um ano. Se eu sair agora vou ter que pagar uma taxa e mais quatro meses pra frente.”
“Ele vai te matar. Primeiro, ele vai bater em você. Muito. Vai te espancar. O sentimento que você sente torna você fraco, e o fraco sempre é vítima de pessoas como ele.”
“Ele é agressivo. Mas pede desculpas, é porque ele é cheio de traumas.”
“Coloque mais um trauma nele! Saia. Ele não gosta de você, ele usa você quando precisa. Vai chegar um tempo que o que você dá pra ele não será suficiente, aí você vai apanhar.”
“Eu queria saber como ele consegue aquelas roupas caras!”
“Escute, homem! A gente sabe como termina. Mais dia menos dia. Saber como ele consegue as roupas para quê? Isso só mostra que você está ligado a ele. Não tem que saber nada mais dele! Não interessa. Você sabe que você será assassinado! A gente sabe como termina isso! Ele te despreza, ele é bruto com você e zomba de você, mas ao mesmo tempo precisa de seu dinheiro! A cabeça dele é uma bomba de ódio e de contradições que vai explodir! Entenda os sinais. Já aconteceu com outras pessoas e sempre termina do mesmo jeito. Pessoas como ele não ligam se perderem a liberdade!”
“Um amigo meu me disse que ele não prestava. Mas eu acho que é inveja.”
“Inveja de que? De ser humilhado? Já sei. Você anda com o ‘bofe’ escândalo nos shoppings, nas praias, sempre com ele a tiracolo! Ah, e isso provoca inveja nas outras bichas! Realmente, você está louco, você está amando. Anda com ele pra cima e pra baixo e em casa só falta levar uma surra, e vai levar!”
Ele tentou me abraçar. Queria um abraço. Me afastei. Eu não consigo. É questão minha. Todos temos nossas questões, não é desculpa, mas todos nós temos nossas questões. E eu não consigo sentir compaixão ou identificação por quem sofre por amor. A esse ponto aí! Meu amigo está acabado. Ele não precisa de abraço, precisa de um tratamento de choque. O amor destrói a autoestima das pessoas – e não dizem que o amor é o contrário do orgulho? O orgulho faz bem, levanta a nossa cabeça!
“Uma amiga do supermercado me disse que eu estou assim por rola!”
“Você tem mais de 50 anos. Já deveria saber que o amor é uma ilusão. Mas enquanto estivermos vivos a ilusão sempre pedirá uma nova chance. Mas você já tem mais de 50! Com essa idade a ilusão é quase sempre fantasmagórica. Ainda mais com um vagabundo que nem trabalha. Eu não vou lhe dizer o que você deve fazer. Eu já disse, e você arrumou desculpas para amenizar os atos dele. Eu não sei se é a química do amor, porém você vai se dar mal.”
“Eu já sei. Eu vou pedir para ele arrumar um emprego. A última chance!”