*Franklin Jorge
Diz-se que Marcel Proust era o terror dos tipógrafos. Por sua mania de reescrever obsessivamente seus textos, sempre a acrescentar-lhe minúcias e detalhes num esforço de exigência que apavorava todos aqueles que lidavam com os seus textos em processo de publicação.
Os admiradores de sua obra e conhecedores de sua escrita não ignoram que as sucessivas versões de um mesmo texto, acrescido de percepções novas, ganhavam consistência e massa vocabular que o singularizava e dava-lhe como que uma espécie de musculatura, de relevo e profundidade que constituem a própria assinatura do autor.
Tornaram-se proverbiais as visitas que fazia às oficinas do Le Figaro, ao voltar para casa, após jantar com os seus amigos no Ritz, quando relia e reescrevia sua colaboração jornalística. Fazia então, ao reler-se, tantos acréscimos que dobravam ou triplicavam o tamanho do texto original.
Reescrever é típico do escritor insatisfeito ou comprometido com a busca, se não da perfeição, da qualidade que há de estar presente em tudo, segundo preconizava Lênin em seu exílio.
Por índole e temperamento, escrevo e reescrevo, inclusive os textos jornalísticos produzidos e publicados em Navegos. Fato já observado por alguns leitores mais atentos, desses que se prendem a minucias e desejam saber, às vezes, porque reescrevo e reescrevo, frequentemente, o mesmo texto. Um deles inclusive chegou a anotar que um mesmo texto teria sido reescrito varias vezes e quanto isto lhe teria dado mais consistência e densidade. Outro, que esse processo revelaria um escritor permanentemente insatisfeito ou inseguro com os resultados obtidos por seu esforço; em outras palavras, uma busca obsessiva de perfeccionismo sempre frustrada por essa exigência de qualidade a que tenho me referido em outros textos de minha lavra.
Reescrever, além de corrigir lapsos, omissões e extirpar gorduras verbais desnecessárias a um bom texto, a um texto que chamamos de enxuto, desvela percepções novas, adensa e contribui para a obtenção da voz exata que confere a um escritor sua verdadeira identidade.
Reescrevo, sobretudo, porque ao fazê-lo me torno mais consciente de minhas limitações. Reescrevo para mergulhar mais fundo em camadas abissais do subconsciente. E. também, para saber quanto devo investir em mim mesmo com o intuito de alcançar o fim desejado.
Pentimento
[Fragmento de jornal literário inédito]
Foto Estúdio de Franklin Jorge
Pitimbu, 2022.