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Escrever, maldição ou salvação?

Fundador de Navegos escreve sobre o mistério que representas o ato de escrever, algo que o distingue desde muito moço, quando ainda não escrevia e sua avó, tomando a sua pequenina mão entre a sua o fazia escrever à sua mãe, que morava em Lages e faleceu o ano passado aos 86 anos. Por isso ele sempre a chamou de Mãe-Lage e era a única pessoa Da família que a chamava assim.

*Franklin Jorge

Parece-me que nos últimos dias, apesar de imerso em um jardim de aflições, sobretudo das que decorrem do câncer de Pikitita, tenho andado com a macaca, como se houvesse recuperado de súbito a relação com as palavras. Escrevo com a água que corre para um poço sem fundo.

Que escrever tem sido toda a minha vida, todos sabem, já que não almejei poderes nem amealhei fortuna, exceto a dessa espécie que não tem preço no mercado e que me custa como um açoite. Dizem, dessa espécie de fortuna, que é a única que os reis e os poderosos invejam, porque não podem compra-la. E que faz algumas vezes, de um mendigo, um príncipe.

Há noites em que escrevo 10 dez artigos, como que servindo de cavalo a algum santo misterioso que baixa de repente e ordena-me, como foi ordenado a São João: Vai e escreve em estilo de homem! Não discuto, escrevo. Sem esperança e sem temor.

São vários os temas e nenhum deles pensado previamente, o que me intriga e chama-me a atenção. Será coisa da Musa, que segundo dizem por aí chega sem ser pressentida? Ou apenas invenções do desespero, segundo essa extraordinária poetisa Eunice Arruda?

Alguém deve ter notado que escrevi pouco ou nada escrevi, a partir de 2013, quando fui sugado por uma mulher-vampiro chamada Isaura Rosado. Quem dela se aproxima, adoece, avisaram-me quando reassumi a direção da Pinacoteca do Estado – que fundei em 1983, quando fui pela primeira vez comissionado da Fundação José Augusto e, pelo espírito que dominava esse cemitério, a Fundação José Augusto, nada produzia, o que para um homem então moço, como eu era, seria fonte de um grande sofrimento moral. Logo eu, que cultivava a utopia de promover uma revolução cultural em minha terra natal, como tenho deixado entrever, aqui e ali, nos artigos que tenho escrito, como o de reunir em Natal os performáticos Lionel Andeller e Hélio Leites, para juntos e com a participação de todos os daqui, fazer renascer o espírito natalino em vez dessa baboseira profana que faz da nossa cidade, em seu ciclo natalino, um risível arremedo da falta de imaginação.

Então, como não aprendi a roubar e a enganar, escrevo. Como uma maldição, escrevo. Não, leitores, não é nada divertido, como pressupunha a grande escritora argentina Luísa Mercedes Levinson, de quem venho me lembrando uma vez ou outra. Como morrer, ela dizia que escrever era muito divertido.