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Escritores que são personagens

Câmara Cascudo foi ao mesmo tempo escritor e personagem de sua Natal. Assim, realizou o vaticínio de Wilde: o homem torna-se personagem do livro de sua vida.

*Franklin Jorge

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Percebeu Oscar Wilde que, além de uma obra notável, o artista tem a tácita missão e o dever de criar – se for genuíno e inteligente – seu próprio mito.

De fato, todos os grandes escritores, por exemplo, aqueles que se tornaram conhecidos e proverbiais, foram em medidas mais ou pelo menos equivalentes, autores e personagens. Como estrela-guia do Parnaso Potiguar, Luís da Câmara Cascudo.

Poucos têm, porém, consciência desse desafio que só contempla o talento e despreza o que é medíocre e rasteiro e deambulam na planície, como o próprio Wilde ao deixar-nos isto claro. Foi um escritor que pôs apenas o talento em sua obra e, em sua vida pessoal e individualizada por ações, a arte, afinal, que torna os homens distintos dos animais, que não escrevem, embora tenham seus meios de expressão que alguns de nós se esforça para entender. Assim, num mesmo passo, o escritor-artista dá ao leitor a obra e a vida.

Nem todo autor é personagem. Diga-se com todas as letras. Nesse território repudia-se a contrafação e se ridiculariza a vaidade vã. Ao mesmo tempo, quem sabe ler, extrai e interpreta entrelinhas com precisão, às vezes, de maneira surpreendente. Como dizia-me e ao mesmo tempo me chamava a atenção para algum título de sua biblioteca: Sei que em Natal me acham soberbo porque escrevi. Dizem que apuro qualidades [e riu-se.] Você, embora jovem, sabe o que é carregar uma pecha numa cidade provinciana. Não sou o que dizem que sou. Sou um homem de Macau e nunca discriminei nem deixei de receber todo mundo que me procura. Aqui, recebi aquele… Aquele…Aquele que chamam de Bispo de Taipu…

Grão-senhor das Letras Potiguares, dentre uns poucos outros que devíamos ler, como Edgar Barbosa, Nilo Pereira, Câmara Cascudo, Newton Navarro, Berilo Wanderley [cito apenas os quem se expressaram em prosa], num desses dias em que desejava entrevista-lo formalmente para algum dos 3 volumes de O spleen de Natal, pedi a Honório de Medeiros, seu ex-aluno na Faculdade de Direito e pessoa de sua admiração, para surpreendê-lo e alegrá-lo, participasse desse encontro à Rua Mossoró.

Um dia que se tornou memorável, pela qualidade das pessoas envolvidas nesse encontro, por uma peculiaridade surpreendente: todos vestíamos camisas em tons de amarela; e Vitória, vitoriosamente, vestia-se de amarelo-ouro. Parece um Conclave de jovens inteligentes, cochichou-me o nosso anfitrião matinal.