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Esquecido a céu aberto

“Na Prudente de Morais na altura com a Antônio Basílio, há uma loja da Rio Center onde, nos fundos, pessoas sem teto consomem drogas, cozinham feijão e têm sua vida ali mesmo.”

*Alexsandro Alves

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Na Prudente de Morais na altura com a Antônio Basílio, há uma loja da Rio Center onde, nos fundos, pessoas sem teto consomem drogas, cozinham feijão e têm sua vida ali mesmo.

Ontem, no sol escaldante das 13 horas, um mendigo dormia.

Porém ele não dormia na parte sombreada da calçada, ele dormia no lugar em  que sol castigava incremente, quase próximo do asfalto da Prudente.

Fiquei imaginando se estava bêbado ou drogado. Mas nem os transeuntes nem os amigos faziam nada. Ele permaneceu ali durante muito tempo, quando retornei, ele ainda estava lá, quase na mesma posição. Desta vez, cobria os olhos com o braço esquerdo.

Estava vivo e consciente.

Mas por qual motivo preferiu aquele sol ao invés de, como seus amigos, sentar na parte com sombra, mas agradável, sobretudo por conta da sensação térmica?

Imaginei: será que se pune por algo? Ou está se cansando da sua existência? E sendo assim, ele se tornaria perigoso para ele e para os outros?

Porque ele estava queimando. Não havia nenhum sentido naquela ação.

Ele, que já nem pobre era, pois só tinha as roupas em trapos que cobria o corpo, permanecia deitado sob um sol dos infernos, deitado em uma calçada tórrida como uma chapa de fritar ovo, recebendo o escapamento de todos os veículos de maneira mais direta e, também, atrapalhando a caminhada dos que usavam a calçada para seu fim original.

Seus trapos consistiam apenas de uma bermuda jeans surrada. Os pés rachados, em japonesas que eram só o papel de tão finas, de tão usadas, pés cinzentos e rachados como solo de lava endurecida.

Eu me aproximei. Iria retirar ele de lá. Mas não sabia como.

E ele não era negro. Há tempos atrás, lá pelos inícios dos anos 2000, havia muitas pessoas negras nas ruas. Eram sobretudo negros. Hoje, vinte anos depois, percebe-se que há tanto negros quanto brancos, e venezuelanos. E muitos deles não são pessoas sujas, mesmo estando em condições degradantes de rua, vários ainda mantêm sua higiene, não sei como, mas é uma questão que abordarei para eles.

Ao chegar próximo dele, me abaixei e me apoiei no joelho direito, mantendo o esquerdo levantado de maneira que a coxa serviu de apoio ao braço esquerdo.

Com a mão direita, cutuquei seu ombro. Retirando um pouco o braço dos olhos, olhou para mim e virou o rosto. Então, não era conveniente insistir. Ele desejava ficar ali mesmo, naquele sofrimento. Eu já não aguentava mais.

Porém notei algo muito revelador quando a mão do braço que cobria seus olhos se abriu durante um tempo!

Ele estava há pouco tempo nas ruas.

Suas unhas não estavam sujas. Mesmo os mais limpos têm as unhas sujas, amareladas e mãos calejadas. Geralmente as pontas dos dedos estão queimadas também e os dentes, deploráveis.

Ele, não.

Sua mão era lisa, de pouco trabalho. Seus dedos não estavam manchados e suas unhas ainda aparentavam asseio. Talvez fosse um recém-desempregado? Não oriundo do interior, de Natal mesmo, mas sem serventia para o mercado? E, por tudo isso, resolveu se punir?

Há um senhor, que vive nas linhas da zona oeste, que perdeu o emprego na pandemia, sua esposa morreu ao dar à luz gêmeos, eclampsia, seguido de hemorragia, ele sempre explica, e assim, ele mendiga em ônibus o pão de cada dia.

Já este, da calçada da Rio Center, se for um caso parecido, preferiu o esquecimento a céu aberto.