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Eterna e Estranha Fome

Alexsandro Alves, escritor e professor, senta-se à mesa de nossa pizza política e comenta sobre a necessidade do brasileiro de alimentar-se de escândalos para depois esquecê-los, como se não tivessem existido.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

A pior miséria do brasileiro é a falta de memória.

Em tudo nos comportamos como uma espécie de canibais, no que o modernismo acertou precisamente quando decretou que essa é a mais brasileira das qualidades, e das nossas qualidades em particular.

O brasileiro tem uma fome colossal por devorar o outro. Depois que comemos, o que sobra é expelido, e precisamos de mais comida. Sequer pensamos no que comemos, o que importa é que seja servida e rapidamente devorada, vivemos como animais na natureza.

Quando o assunto é política, o prato deve ser sempre servido com molho de corrupção. O brasileiro ama seus corruptos. Ama ao ponto de escandalizar-se com as denúncias, devorá-los nos noticiários, matá-los politicamente. Amamos um escândalo, é a reunião tribal para a comilança coletiva.

Depois passa. Precisamos de novos pratos. De novas carnes. Por mais brutal que tenha sido o festim, o sabor final precisa ser de pizza: é a coroa de bananas de nossa tropicalidade.

Enquanto parte do Brasil comemora a inelegibilidade de Bolsonaro, outros estão comemorando sua vida mansa e as alegrias da liberdade.

Toma pra vocês!

Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, condenado a mais de 200 anos de prisão, postou fotos recentes de seu relacionamento amoroso. Graças à justiça, o dito agora faz parte do seleto grupo de “descondenados”, moda política que foi inaugurada com a “descondenação” do atual presidente do Brasil, Lula. Ambos envolvidos no Mensalão e no Petrolão.

Esse é apenas um dos muitos casos de que o crime compensa no Brasil.

Você pode roubar. Você pode enriquecer ilicitamente, desde que não interfira na harmonia dos poderes. Desde que saiba dividir o butim.

A inelegibilidade de Bolsonaro cai como uma cortina de fumaça que encobre os verdadeiros criminosos do país.

Falar contra urna eletrônica? Falar contra vacina? “Acabou, porra!”.

Apenas no Brasil isso é mais grave do que roubar o nosso dinheiro.

Mas quem se importa?

Já devoramos Collor, já devoramos Cabral, já devoramos Lula, já devoramos Dirceu, já devoramos Cunha, já devoramos Aécio… foram pratos que nos proporcionaram um banquete e tanto! Porém, já passou. Eles roubaram, mas nos divertimos, chegamos ao ponto, como no prato Lula, de uma catarse alimentar nacional como nunca se viu antes na História desse país. Foi uma loucura!

Mas já defecamos até Lula! Passou. Não nos interessa mais. E acabou em pizza, para o nosso deleite.

Agora é a vez do “Bozo”. Um prato diferente. Mas vamos experimentar. É outro molho. Não é aquele molho dos faraônicos roubos e desvios de Cabral ou de Lula, nem mesmo daquelas reuniões a portas fechadas com a Odebrecht e sua lista de futuros “descondenados”. Não. Vamos degustar um novo molho. Com o capitão, o molho é a audácia de ter sido um falastrão, mas não um ladrão. Isso é demais. Ele fecharia nosso restaurante. A pizza acabaria!