*Percinaldo Toscano
Ter netos não cabe essencialmente a nossa vontade, mas se o temos deveremos agradecer aos nossos filhos, que nos presenteiam com extraordinários diamantes dentre o universo das joias raras. São eles quem nos conduzem, enchendo os nossos olhos de alegria nos momentos especiais de nossas vidas, nos remetendo as lembranças e sorrateiramente abrindo cofres de nossas memórias.
Certo dia, ao receber meu neto Arthur – na oportunidade o único – acompanhado de seus pais, numa das visitas em comemoração ao emblemático dia dos pais, resolvi antes do tradicional almoço familiar, realizar um passeio pela cidade. Afinal, Arthur era muito pequeno, com aproximados quatro ou cinco anos de idade, e eu queria mostrar alguns comportamentos por aqui existentes.
Saímos então para o nosso passeio. Iniciamos pela praça central, local onde as notícias cotidianas inebriam os viventes daqui. Tomamos sorvete com chocolate e baunilha, ao tempo em que contemplávamos com pipocas os pombos que ainda habitam os antigos e novos prédios da Praça João Pessoa. Aqui e ali, durante nosso caminhar, respondi regozijante ao questionamento: “Esse menino é seu neto?” “É meu primeiro neto e se chama Arthur”. Respondia de modo leve e feliz, ao passo em que continuava com o nosso passeio. De todo modo, os netos são a continuação, o prolongamento de nossas famílias, do nosso existir, da sucessão da vida. Em outras épocas era o meu pai quem respondia a semelhante pergunta quando passeava com seus netos.
Continuei minha caminhada com o pequeno Arthur, creio que só tinha cinco anos de idade, falante e de cabelos encaracolados, chamava atenção pelos cachos longos, abundantes e brilhosos.
A condução do passeio, no princípio sob minha orientação, aos poucos foi mudando de rumo a partir do momento em que tomei ciência que no antigo campo do Juá – Rua José Bonifácio – encontrava-se instalado o circo do palhaço Fuxiquinho. Conforme as informações era um circo pequeno, mas que possuía atributos de um bom circo. Tinha palhaços, malabaristas, contorcionistas, além do homem aranha como carro chefe de seu espetáculo. Tal notícia me remeteu a memoráveis lembranças dos circos de outrora, aqueles que por Guarabira se instalaram e marcaram minha infância, entre as décadas de 60 e 70, e que pude ir na adorável companhia de meu pai.
Lembrei-me das histórias que meu pai contava sobre o circo, época áurea de sua juventude. Dizia-me o quanto era belo um espetáculo circense, seus animais, seus palhaços, além dos momentos de ilusionismo. Esses momentos históricos aconteceram nos anos de 1940, 1944 e 1952, quando por aqui passou o Circo Nerino.
Devo ao meu pai o cuidado de ter contado tantas estórias bonitas, mágicas e coloridas sobre os circos, em especial o Nerino, de propriedade do italiano Nerino Avanzi. Falou-me certa vez que meu tio Jurandir, retornando da escola para casa, se deparou com a comitiva do Circo Garcia, que acabara de desembarcar na estação do trem em direção ao Bairro Novo, local onde seria armado o circo. Comandando a caminhada estavam o adestrador e seu elefante, com passos letos e firmes sobre o chão de terra batida do Beco de Candeia. Momento este inesperado por Jurandir, jamais imaginou estar cara a cara com um elefante. Só teve tempo para arregalar os olhos e cair desmaiado. Como eu gostava de ouvir essa história contada tantas vezes pelo meu pai!
Em sendo um espaço lúdico, deslumbrante e encantador, quem é que não guarda no cofre da memória lembranças advindas dos circos?!
Por Guarabira passaram muitos circos além do Nerino, como Gran Bartollo, Garcia, Pan-americano, Orlando Orfey, Copacabana Circo e tantos outros, instalados nas avenidas Sabiniano Maia, Praça Mons. Walfredo Leal, Campo do Vila Nova F. C.(Bairro Novo), e assim, pude ver inesquecíveis espetáculos. Encantavam-me os perfeitos homens trapezistas voando sob os raios de luzes coloridas, postas próximas a lona azul, amarela e vermelha deste céu de fantasias. Os palhaços com os rostos pintados exageradamente eram os maiores responsáveis pela felicidade e extração do riso ingênuo das crianças, jovens e adultos. O globo da morte era muito esperado pelo público. Luzes do circo apagadas e motoqueiros artistas se movimentavam em suas motos num prévio aquecimento dos motores. Somente as luzes do globo acendiam sinalizando o inicio do passeio em circulo.
A esta altura de meu passeio com Arthur, eu não tinha nenhuma dúvida que logo após o almoço iríamos continuar nosso passeio indo ao circo no horário da matinê, para que eu pudesse mostrar esse espaço mágico de muita alegria e relembrar o meu tempo de menino, que por tantas vezes ocupei a arquibancada do circo em companhia de meu pai.
Na verdade não era mais um passeio do avô com o neto, eram duas crianças em momentos distintos, uma movida pelos picolés, pipocas e algodão doce, a outra embalada pelo mel da fantasia e das memórias.
Chegamos ao circo um pouco antes das dezesseis horas. Enquanto eu comprava os nossos ingressos, percebia o olhar curioso de Arthur diante da beleza estética do circo. Outras crianças presentes compartilhavam do mesmo fenômeno. No cartaz frontal do circo uma grande foto do homem aranha provocou a curiosidade do pequeno Arthur, que olhou para mim e perguntou: “Vô, o homem aranha vai voar?”.
Não foi preciso responder, já estávamos dentro do universo dos sonhos, flutuando nas nuvens mágicas da arte circense.
FOTO Reprodução de pintura do escritor e artista plástico Carlos Roberto de Miranda Gomes gentilmente cedida a Navegos.