*Julio Cortázar
Quando eu podia passear por Buenos Aires, e todas as vezes que ando aqui em Paris, sozinho, principalmente à noite, sei muito bem que não sou a mesma pessoa que, durante o dia, leva uma vida comum. Não quero fazer romance barato, não quero falar sobre estados alterados. Mas é evidente que esse fato de começar a caminhar à noite por uma cidade como Paris ou Buenos Aires, esse estado ambulante em que em um dado momento deixamos de pertencer ao mundo comum, me situa em relação à cidade e me situa a cidade em relação a mim numa relação que os surrealistas gostavam de chamar de ‘privilegiada’. Ou seja, nesse preciso momento, acontece a passagem, a ponte, a osmose, os sinais, as descobertas. E tudo isso é o que gerou, em grande parte, o que tenho escrito em forma de romances ou contos. Caminhar por Paris – e é por isso que classifico Paris como uma “cidade mítica” – significa ir em direção a mim mesmo. Mas é impossível dizer em palavras. Quer dizer, nesse estado, em que ando tão um pouco perdido como numa distração que me faz olhar os cartazes, os letreiros dos bares, as pessoas que passam e estabelecer relações com todos eles que compõem as frases, fragmentos de pensamento, de sentimentos… Tudo isso cria um sistema de constelações mentais e, sobretudo, constelações sentimentais, que determinam uma linguagem que não consigo explicar com palavras.