*Alexsandro Alves
O que mais me chama a atenção na pintura de Rossetti, está em sua Maria. Além de sugerir-me a inocência e a pureza da personagem, propósito do pintor, a predominância do branco que a reveste, tanto na pele quanto na roupa, me sugere, antes, o próprio distanciamento de Maria, como se ela recebesse um aviso para a qual não está preparada. Quando da Vinci pinta a mesma cena, temos a certeza de que Maria, mesmo em sua surpresa, é capaz de aceitar e de compreender a sua missão. Ela nasceu para aquele momento e seu dedo, apontando para o versículo bíblico, confirma suas convicções no cumprimento da profecia através de sua pessoa. A reação da Maria, de Rossetti, é muito diferente. Seu rosto não carrega nenhuma expressão de espanto ou surpresa. A mocinha apenas parece que despertou de repente, mas permanece sonolenta, com o olhar fixo, como se ela nem mesmo estivesse ainda ouvindo as palavras do anjo.
A Maria de da Vinci não é uma moça, se assemelha mais a uma jovem adulta, mas virgem, de certo. Rossetti pinta uma mocinha de no máximo 18 anos. Uma jovem. E o faz sem exageros de expressão, com muita naturalidade, isso aproxima sua representação das jovens dos nossos tempos hodiernos, é uma jovem contemporânea sem maquiagem.
O local da cena também é importante. Na tradição religiosa, a cena sempre se passa nos aposentos de Maria e José para acentuar a ideia de milagre como algo individual, da escolha de Deus. Com da Vinci isso mudou, a cena passou a ser exterior, com algum detalhe sugerindo a proximidade do dormitório de Maria. No caso de da Vinci, a porta aberta de propósito para vermos a cama, demonstra que a mesma não está longe de casa, ainda há o recato na alma da personagem e a profecia divina continua dizendo respeito unicamente a ela.
Rossetti restaura o medievalismo das concepções religiosas nesse ponto. Sua cena é interior. Esse retorno ao medievo é uma das caraterísticas da Irmandade Pré-rafaelita, da qual Rossetti era membro.
Outro detalhe é a falta de detalhes. A pintura de da Vinci é tão detalhista, que temos a exata impressão, a certeza mesmo, de que a natureza tem importância para o momento. As flores e as gramas, as árvores e as montanhas, são como testemunhas da profecia e são pintadas ricamente.
Rossetti pinta com aquela economia de alguns pré-rafaelitas, sem muita ostentação ou artifícios, como o faziam os renascentistas de forma geral. Aliás, os pré-rafaelitas vêm exatamente disso: é uma revolta contra os renascentistas, sobretudo Rafael. Essa irmandade volta-se para o medieval em busca de uma pintura mais direta, sem os detalhismos hiper-realistas de um Rafael ou de um da Vinci, por exemplo. Isso fez com que muitos críticos, como Charles Dickens, afirmassem que suas pinturas sofriam de pobreza.
O anjo Gabriel também marca profundas diferenças de concepção estética. O renascentista pinta o personagem na pose clássica e sereno, com asas. Rossetti aqui abandona a tradição e faz Gabriel em posição ereta e sem asas. Além disso, o anjo de Rossetti está nu, apenas cobre-lhe um manto. Embora adeptos a um retorno ao medievo, os pré-rafaelitas sempre pintavam seus personagens com uma devida e calculada carga de erotismo “fin de siècle”, decadentista. A expressão facial do anjo não é motivo de muita preocupação para esse pintor.
O centro de tudo, sem perder-se em detalhes, é Maria. Uma Maria capturada em um momento de fragilidade em que a missão divina do anjo, sua profecia, é anunciada sem grandes alardes. A confirmação das palavras de Gabriel, em Rossetti, não estão confirmadas porque a Bíblia está presente ou porque o anjo posa iconicamente. Elas estão se confirmando à medida que Maria, despertando, consegue vislumbrar o lírio nas mãos do anjo – símbolo de seu filho.