*João Gilberto Noll
Acho que meus romances são políticos. Falar de solidão, hoje, é uma questão altamente política. Na minha juventude, falar de solidão era alienação. Por isso que a Clarice, naquela época, anos 1960, 1970, era vista como uma escritora alienada, porque falava da subjetividade. E eu sou um autor que fala das subjetividades. De outra coisa eu não falo porque não entendo, não circulo tanto nessa materialidade mais estabelecida em termos de relação. Eu, preferia pra mim, que fosse bem diferente, eu queria ser outro. Mas, realmente, os meus romances são políticos, sim, essa é a condição que a nossa sociedade engendrou através da cibernética, através dessa coisa de todo mundo estar olhando para uma tela em branco e tendo que falar, falar, falar nessa terra devastada pelo branco. Mas, hoje, ninguém quer encarar essa condição tão finita que nos foi legada e que, se não fosse assim, não haveria literatura.
A literatura existe porque eu vou morrer. Não quero morrer, gosto de estar vivo, com todas as dificuldades. E a literatura é isso. É a religião que eu perdi, quer dizer, num mundo sem transcendência. Acho que, realmente, falar de solidão hoje é um ato político. Basta você viver numa cidade de porte grande, como a que eu e vocês vivem, para saber o quanto as pessoas padecem em fins de semana arrastados. Padecem da falta do outro que está desregulado de sua empatia humana diante da tela em branco. Tela em branco ou tela sendo preenchida. Mas há muita tagarelice nisso tudo. E eu sou um sujeito que fico muito feliz em estar escrevendo, bem ou mal, eu estou escrevendo. Já são 19 livros, deixando, bem ou mal, um testemunho. Acho que a literatura tem o seu valor exemplar, a arte como um todo. Viva os artistas, viva os escritores. Se não fossem eles, a vida seria muito mais pobre. Não resta a menor dúvida. Se não houvesse esse espelhamento, transfigurado. Por ser transfiguração, de nada adianta você ficar copiando a realidade tal qual ela é. É um espelhamento que transfigura, que dá realmente esse veio interior.
E eu acho que essa transfiguração da literatura que salva, que eleva o humano, esse veio interior que é particular. E quando ele é muito interior, ele é tão interior que chega a ser coletivo. Porque realmente todo ser humano sente saudade, todo ser humano sente momentos de profunda solidão, todo ser humano sente ódio da sua pequenez, quer dizer, isso que tá muito, muito, muito subjaz. No mais profundo de cada um. É isso que a literatura, a meu ver, a boa literatura, trata. É meu tipo de literatura, pelo menos. Há outras mil maneiras de encarar a literatura, não é? O meu modo de encarar a literatura é esse: é dizer o que não é dito em sociedade. E, realmente, você denuncia muitas vezes. A literatura, tem seu lado político, mas você não pode também esquecer uma certa atração pelo próprio mal. Aí que tá a perversão da coisa. Eu estava pensando, por exemplo, nessa minha tendência, que as vezes deixo de lado, a períodos muito longos. E comecei a pensar: mas isso eu projetei, realmente, esse poder da velocidade nos nossos dias. Pois a literatura, realmente, é uma somatização do que vai dentro dos personagens. Esses textos enormes, esses períodos enormes, acho que eles vêm muito do fato de que a pressa, a velocidade, é quem domina nas relações dos nossos dias. Então é realmente uma somatização do próprio estilo.