*Renato de Medeiros Jota
Muito se fala sobre as HQs que tem o faroeste americano como pano de fundo, especialidade da Bonelli editoras, mas também de artistas franceses como Moebius com sua HQ Blueberry, Barardi e Milazo um das HQs mais humanas e com os roteiros mais fantásticos (na minha humilde opinião, a melhor). Mas coube as histórias do faroeste de Tex Willer e companhia, uma das mais longevas historias em quadrinhos do mercado brasileiro, sedimentar o seu território no país.
Sem dúvida o motivo que tenha levado o público leitor a gostar dessas histórias de faroeste esteja no fato de se passarem em um tempo de fora das leis, em que as armas eram a lei e a violência o juiz de todas as causas. Seria um tempo, onde a justiça era feita com as próprias mãos, devido sua ausência nos extensos territórios a serem povoados. Tinha ainda os conflitos com as populações nativas locais, como os índios Apaches, Crows, Sioux, Navajo, Cherokee, etc., que tornavam as histórias diversificadas e sempre exaltava ou não os pistoleiros ou exército norte americano.
A verdade é que o faroeste sempre dominou o imaginário do leitor brasileiro e sobrepôs a literatura de quadrinhos nacional. Evidentemente o hábito do leitor brasileiro gostar das histórias vindas de fora, dá-se através do longo tempo que as histórias de Tex vem sendo produzidas no Brasil e de muitas outras que exploram o faroeste aparecem ocasionalmente como Ken Parker e Bluebarry. As justificativas são justas na medida que os roteiros da produção estrangeiras são bem feitas e exploram com maestria os conflitos já canônicos no tema. Em contrapartida poderíamos defender a idéia que no Brasil, temos algo bastante semelhante ao faroeste americano, representado pelo cangaço nordestino. Obviamente respeitando as diferenças históricas, econômicas, regionais, em ambos os países.
Aqui vale ressaltar uma característica básica sobre as HQs de faroeste atuais e até mesmo do cinema em geral. No que diz respeito de HQs com o tema faroeste, quem domina o tema e a explora majoritariamente é a Itália, através da Editora Bonneli e em algumas edições ocasionais na Europa como França que publica ocasionalmente Blueberry e as vezes de forma cômica como Lucky Luke de René Goscinny e Morris.
O mesmo podemos dizer sobre o cinema em que o faroeste espaguete (ganhou esse nome por ser feito na Itália), era de grande sucesso para o publico brasileiro, já que tinha um ingrediente a mais, o humor sarcástico existente nos personagens e suas histórias. Mas qual o motivo da Itália ser tão ligada ao faroeste? Isso é uma pergunta interessante de se ser investigada. Mas o pouco que sei é que as características de gosto e talvez a preponderância da cultura de massa norte americana que dominou os países europeus na pós primeira e segunda guerra contribuíram bastante para influenciar esse gosto exagerado pelo gênero.
A cultura de massa norte americana exporta o pensamento hegemônico sobre o ideal a ser seguido, através de forte propaganda e divulgação por meio do cinema e dos meios de informação de cultura, como tevê, jornais e livros e o faroeste faz parte dessa propaganda. Esse pensamento é a única forma de explicar o motivo do faroeste exercer forte influência tanto na Itália como no Brasil, só com uma peculiar diferença, em nosso país existe o cangaço, fenômeno parecido em alguns aspectos ao faroeste norte americano, enquanto na Itália não. Os Estudos brasileiros sobre o cangaço menospreza esse evento e quando o faz a mídia nacional, seja ela televisiva, jornalística, livresca e quadrinistica a explora marginalmente.
O motivo para isso me parece está, justamente no processo de alienação que desvaloriza a história e culturas nacionais em prol da influência pasteurizada externa da cultura hegemônica externa. O publico leitor é bombardeado a todo o momento por propaganda através de jornais, séries de tevê, quadrinhos com o tema exaltando o faroeste norte americano enquanto o cangaço ficava restrito a notas de rodapé de jornais locais ou a ocasionais livros e quadrinhos regionais que ousavam abordar o tema. Diz-se até mesmo que a melhor biografia e documentários sobre o cangaço são de produção estrangeira, enquanto no país o assunto é insuficiente e pouco explorado.
Os temas do cangaço se assemelham em alguns pontos ao do faroeste, por exemplo, ambos têm como tema os fora da lei, os cangaceiros eram tidos como bandidos agindo fora das jurisdições locais e seguiam códigos morais próprios. Outra característica era a ambigüidade, os cangaceiros agiam muitas vezes assaltando e lutando contra o status quo que roubava e extorquia a população mais pobre e carente da região. Por outro lado, seguia leis próprias, nem sempre justas e até mesmo agiam pior do que aqueles a quem combatiam. Essa ambivalência tornava os cangaceiros e suas histórias atraentes para o publico leitor, pois evocava um romantismo que podia existir ou não em suas ações.
Ocasionalmente, algumas produções esporádicas de hqs abordam o tema de maneira interessante e bem humorada como Bando de dois de Danilo Beyruth, antes dele a HQ de Terror O olho do diabo de Mozart Couto era referência, tem ainda Mulher diaba no rastro de Lampião no traço de Flavio Colin, O futurista Cangaço overdrive de Zé Wellington e a Maturi Especial Labareda: um cangaceiro de Lampião de Luiz Elson produzido em Natal RN e também de Natal Lampião de Carlos Alberto, Marcos Garcia e Marcos Guerra, e temos uma extensa lista de quadrinhos com o tema cangaço. Mas nenhuma delas tem uma periodicidade longeva como tex ou memo Ken Parker produzida pela Editora vecchi.
Nenhum quadrinho de cangaço teve mini série em hq pelo o que saiba, pois apesar do tema ser produzido com recorrência o mesmo carece de regularidade algo bastante notório no mercado editorial brasileiro. Obviamente temos as exceções como a turma da Mônica do Mauricio de Souza como exemplo de seriezação de sucesso. Quanto ao resto das publicações que abordam temas regionais são publicadas apenas esporadicamente e parece não agradar o gosto seleto dos leitores. Acredito que falta interesse e investimento em propaganda para divulgar a produção de temas nacionais que são bastantes interessantes como o cangaço, por exemplo. Seja, como for, nunca é tarde para resgatar e explorar histórias do nosso faroeste brasileiro, o cangaço, convoco os quadrinhistas para essa tarefa, o tema esta ai e boa sorte. Finalizo por aqui e agradeço desde já a todos, um abração.