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Faróis sonoros

Três sinfonistas que são luzes, faróis para a inspiração, para o trabalho estético e para a vida.

*Alexsandro Alves

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LUDWIG VAN BEETHOVEN (1770-1827)

 

Revolução sem canhões e espadas, porém fizeste a música detonar minas nos recônditos do espírito. Na tua surdez ouviste as nossas misérias e vitórias, estas tão poucas e não duradouras. Quiseste crianças brincando, dando as mãos unidas, por isso compuseste aquela melodia tão simples e tão inevitável que conclui tua sinfonia mais complexa e mais pensada. Por que acreditas que todos são irmãos e que podem se juntar em uma oração olhando para o céu, ao bom Deus, quando, em teu leito de morte, um raio cruzou tua janela e iluminou tua mão em punho amaldiçoando todo o Destino humano? Como sofreste! Falas de heroísmo e de generais, o mais derrotado dos homens. As tuas nove joias, que compuseste para adorno metafísico da humanidade, todas elas, escondem a tristeza de um mundo, o teu mundo interior. A grandeza da arte reside nisso, é uma ação de superação. De encontro conosco em um banco de praça para vencermos a nós mesmos. Cada uma daquelas nove joias é um diálogo teu que ofereceste ao mundo e foi o mundo que não ouviu, não tu, mas o mundo.

 

ANTON BRUCKNER (1824-1896)

 

Simplório campesino:

Ao ouvir o Scherzo de tua Terceira sinfonia me coloco com uma criança na areia de uma praça. No início estrepitoso saltitam teus inevitáveis metais, ostentosos pulos em colcheias e semínimas, com as cordas serpenteando, que brincadeira selvagem! Porém, meu caro Antônio, a grandeza desse movimento surge quando abaixas o volume na sequencia desse início até a dança popular do trio. Quando esqueces os teus adorados metais e deixas fluir apenas os violinos, os violoncelos, as violas e os contrabaixos e deixas entrar, para um diálogo, as madeiras, as flautas, os oboés e os clarinetes. Meu querido, nesse instante tu calas quase todos os metais. As trompas ainda permanecem, mas agora elas têm aquele caráter doce, também próprio desse instrumento. Elas não se elevam ante as madeiras, as acompanham. Aí, brilha, quando lá pontuas, um sol, um brilho maior! Há também ondas nos ventos amadeirados que sopram no topo da música. Esses ventos amadeirados, marrons, me conduzem por instantes a flashes de um filme antigo, quando tudo era mais simples. Eu me permito me esquecer quando te escuto. Posso desejar, tranquilo, o retorno àquela solidão infantil que abraçava a todos e por todos era abraçada e ainda permanecia livre, solitariamente livre.

 

GUSTAV MAHLER (1860-1911)

 

Ao olhar para ti eu vejo Cristo e Siegfried. O que em tua música é jocoso, grotesco ou até fútil, marcada por sinos natalinos de um lado e uma nostalgia sem explicação por outro. Eu observo sempre teus heróis. Eles jogam tudo ao ar e correm, sorridentes! Em suas fugas, fazes ouvir passarinhos! Não pássaros, mas passarinhos; eles passarinhos, enquanto um violino desafina, uma rabeca de um trovador no meio da feira, a executar um tom trôpego. E na revoada que abre nossos olhos, uma corneta; um garoto perdido toca sua corneta mágica. Tantos passarinhos circundam o menino, são um só em teu verão, menino e passarinhos. Seguramente a inocência em tua música encontra o que em Dionísio é indomado. Essa inocência é alheia à vida e à morte, ela apenas é. Olha, tua música vive na inocência, para em seguida apresentá-la àquela Senhora. Mas você é tão honesto, rapaz! Sua Senhora chega com naturalidade, quase sempre. Tu cantas os pássaros e os meninos, para entregá-los ao sorriso final da vida naquele derradeiro abraço. É triste? É a vida. O ciclo de toda a criação que conclui sua lógica em uma natureza morta.