*Fernando Schuler
Dias atrás, o cartunista Chico Caruso, de O Globo, publicou uma charge mostrando um pistoleiro entrando em um saloon, destes de filme de cowboy. Lá de dentro vem a pergunta: bandido ou mocinho? “Pior”, alguém responde: “advogado.” Achei boa a brincadeira, ainda que meio comum. Piada de advogado tem às pencas, por aí. Deve ser a profissão mais zoada do planeta. Perde para os políticos, é verdade, e mais recentemente para os padres e pastores. Naquele dia, o Chico resolveu brincar com os advogados.
E foi ecumênico. No Saloon havia políticos para todos os gostos. Do Lula ao Fernando Henrique. São os tempos. No Brasil de hoje, humor tem que ser pluralista. Mas vamos lá: bastou a charge do Chico pra um punhado de blogs “progressistas” esbravejarem que a charge do Chico era – pasmem – fascista.
Uma charge fascista! Se a revista Charlie Hebdo fosse brasileira, pensei cá comigo, estava liquidada na primeira piada. Logo me e dei conta que, na cabeça dos blogueiros governistas, os advogados que defendem políticos e empresários metidos na Operação Lava Jato são uma espécie de guardiões da virtude. O bastião de resistência contra o grande golpe orquestrado pelo juiz Sérgio Moro e sua turma, lá de Curitiba. Não é sensacional?
O ponto que me chamou a atenção foi a facilidade com que anda se usando, aqui nos trópicos, a palavra “fascista”. Há variações, é verdade. Na reta final da última campanha, Lula comparou Aécio Neves aos “nazistas”. Das profundezas da estatística e de alguma discussão sociológica, havia-se sugerido de que a dependência do bolsa família favorecia o voto governista. Alguém teria, não se sabe de que jeito, dito um absurdo desses…Pois bastou para colar uma suástica na testa do candidato da oposição.
Na blogosfera ideológica, fascista virou feijão com arroz. Em geral, a palavrinha é usada como um “dedo na cara”. Qualquer derrapada do politicamente correto, não dá outra. O sujeito toma a palavrinha na testa. Usuário frequente da estratégia é o blogueiro Leonardo Sakamoto. Dia desses ele denunciou como fascista a plantação de flores e cactos embaixo dos viadutos. Elas atrapalham as “pessoas em situação de rua” que desejam dormir por ali, segundo o blogueiro. As prefeituras andam forradas de fascistas, não há dúvidas.
A palavrinha, faça-se justiça, tem saído do mundo cão da blogosfera para áreas mais sofisticadas. Em uma palestra para estudantes de história, em Uberlândia, o historiador Leandro Karnal chamou todos os leitores da Veja de “absolutamente fascistas”. Achei curioso o “absolutamente”. Fiquei imaginando o que seria um leitor “relativamente” fascista. O Karnal acrescentou que o referido leitor, além de fascista, é “tapado em qualquer sentido”. Não acho que Karnal pense isto, de verdade. Acho que apenas quis fazer média com a plateia. E parece ter conseguido.
Outro que escorregou na palavrinha foi meu amigo Luiz Felipe Pondé. Em um artigo recente, chamou de fascista a turma politicamente correta que tenta impedir que se acenda um charuto cubano em um barzinho. Nessa aí, até eu dancei. Não tenho nada contra quem fuma um Cohiba, mas não vou gostar se o sujeito vier baforar um do meu lado. Talvez eu mesmo seja um fascista, tenho que ver isso melhor.
O fascismo foi uma tragédia histórica bem conhecida. O genocídio na Etiópia, a deportação dos judeus italianos aos campos de concentração, o modelo síntese do estado totalitário. No Brasil, virou um xingamento político. Um sintoma a mais da banalização de nosso debate público, embalado na língua suja das redes sociais.
Ninguém foi mais longe no seu uso do que a professora Márcia Tiburi. Seu livro Como conversar com um fascista leva ao estado da arte o estilo “dedo na cara”. Tiburi defende o amor e o diálogo. Sustenta que nossa atitude com o “outro” deveria ser “compreendê-lo, acolhê-lo, amá-lo”. Curiosamente, escreve um livro de 196 páginas chamando o “outro” de fascista. Suspeito que faz isso por saber que não há mesmo muita chance do “outro” comprar o seu livro.
Dito tudo isso, não nego que haja muita gente por aí com jeito de fascista. Tempos atrás, circulou nas redes sociais o vídeo de um professor da UFRJ, chamado Mauro Iasi, sugerindo ao proletariado carioca fuzilar a “direita” e os “conservadores”.
“Conservadores”, imagino, são o “outro” tiburiano do Professor Iasi, e o máximo de violência revolucionária que consigo imaginar, observando seu discurso sem graça, é uma guerra de travesseiros. A verdade é que nem mesmo o professor Iasi é um fascista. É apenas um falador de besteiras escondido atrás de um emprego público, e da nossa complacência.
Muito parecido, diga-se de passagem, com a legião de pregadores de ódio escondidos no anonimato do mundo digital. Ódio há para todos os gostos, mas cada um de seus apóstolos parece concordar com a máxima sartreana: o inferno – no caso, os fascistas – são os outros. Retratos de um tempo de banalidade intelectual da qual só o humor pode nos salvar.
Por isso, viva o Chico Caruso