*Uirá Menezes
“Um tempo atrás passando por Salvador eu entrei numa padaria pra fazer um lanche. Assim que entrei no lugar uma mulher no balcão olhou pra mim e perguntou: “O que você vai querer meu amor?” Eu tinha acabado de chegar da Chapada de ônibus, tava ainda acordando, e aquele “meu amor” me soou tão doce. Ela nem me conhecia e já foi me chamando de amor. Horas depois tive de ir numa farmácia comprar algo e a atendente prontamente me perguntou: “como posso te ajudar meu lindo?” e não era um “lindo” qualquer, era um “Liiiiindo” que só uma baiana sabe falar. Tem um gosto nele.
Sei que isso é automático na Bahia, as pessoas se chamam de coisas bonitas, mas confesso que mesmo sendo baiano, eu senti algo tão bom por dentro. A palavra tem tanto poder. Me veio a percepção clara desse estado de espirito que envolve toda a Bahia, dessa doçura que muitas pessoas têm. Lembrei na hora da minha infância onde todos, até meu pai, me chamavam de Rei, de barão, de coração, de amor. É por isso que dizem que baiano não nasce, mas estreia. Dê um castelo e ele reina, porque todo baiano acha que merece nada menos que um reino.
Essa situação em Salvador me fez lembrar de uma vez andando por Lençóis com duas dinamarquesas e elas começaram a rir de uma mulher incrivelmente gorda vestindo um shortinho. Perguntei qual era a graça e uma delas falou que na Dinamarca uma mulher gorda jamais se sentiria sexy ou usaria algo provocativo. E o pior é que elas falavam a verdade. Não só na Europa, mas na grande maioria dos lugares “civilizados” existe essa pressão psicológica pra ser “perfeito”, para nunca estar feliz consigo mesmo e muito menos chamar estranhos de “meu amor”, de “meu lindo”. E ali na nossa frente quebrando todo este paradigma estava uma baiana gordinha, pretinha, se sentindo a última uva do cacho. Ela era tão graciosa, tão risonha e feliz, que se você colocasse uma Kate Moss do lado eu diria que a maioria dos baianos iriam na gordinha, por que nada mais é anti-baiano do que nutrir auto-rejeição, do que ter falta de amor próprio. Baiano gosta de graça, de dendê escorrendo pelos dedos.
Se um dia pudesse fazer um pedido pra um gênio, eu pediria que todo o planeta deveria visitar a Bahia um dia. Ter a alegria de pisar nessa terra e a felicidade de beijar a mão de uma dessas mães pretas, dessas que o olhar te inunda bondade, alegria, aceitação. Você pode ser o que for, ela vai te pegar pelas mãos e te aceitar sem tirar uma vírgula. Dessas que te abraça e você derrete entre os seus seios e o tempo para.
Só quem já recebeu um abraço desse sabe do que tô falando.”